São João da Madeira não merece isto

São João da Madeira é o município português menor em área. Mas, segundo parece, será na campanha para a eleição autárquica intercalar em São João da Madeira que poderemos encontrar nas próximas semanas Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Imagina-se que os ex-governantes não tenham tempo para participar na campanha presidencial se estiverem a percorrer denodadamente a — preparem-se — única freguesia do município.

Pelo menos foi o que sugeriu Marcelo há uma semana, quando questionado sobre se a ausência de Passos e Portas da sua campanha não passaria de uma tática para se distanciar da má memória que uma maioria de portugueses tem em relação ao governo de direita: «há um problema que é o seguinte. Há duas campanhas simultâneas, a presidencial e as autárquicas em São João da Madeira. Talvez seja sensato não misturar a campanha partidária e a não partidária». Como a justificação cheirava a bizarra, Marcelo veio a alterá-la depois para outras duas ou três razões diferentes. Anteontem era “que não há tradição”; ontem foi que “não é bom para o partido, não é bom para o candidato”. A sucessão de pretextos só prova a puerilidade com que Marcelo encara a justificação dos seus comportamentos e conta depois com a aquiescência generalizada de comentadores e jornalistas para a coisa passar em branco.

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O mais extraordinário é que esta artimanha foi funcionando, pelo menos até aos debates televisivos que reabriram estas eleições presidenciais. Aí, bastou a Marcelo ter de se confrontar por algumas vezes com as questões que os seus entrevistadores não costumam levantar-lhe para que o mito do vencedor antecipado tenha caído do pedestal.

O resultado está à vista. O primeiro dia de campanha de Marcelo foi dedicado a pedir que os eleitores decidam as eleições à primeira volta com o argumento supremamente democrático de que “o país está cansado de campanhas eleitorais”. Marcelo está sob pressão, mas não se percebe a pressa. Não seria ao menos curial esperar que Passos Coelho e Paulo Portas regressassem do seu périplo por São João da Madeira para poderem, já em fevereiro, contribuir para o esclarecimento do que está em causa nestas eleições presidenciais?

Mas há mais: no seu afã para encontrar um argumento que lhe permita justificar a exigência de encerrar as eleições presidenciais à primeira volta, Marcelo conseguiu exceder-se e alegar — segundo o Diário de Notícias — que precisa de ser Presidente depressa para ajudar António Costa a governar. É curioso. Iria jurar que, no encerramento da campanha para as legislativas, ouvi Marcelo dizer que era importante dar uma vitória ao PSD e ao CDS porque o governo anterior tinha “estabelecido uma grande empatia com os portugueses” ao contrário de António Costa e da sua atitude à esquerda, que só tinha gerado “incompreensão”.

Palavras proferidas por Marcelo Rebelo de Sousa num comício da coligação Portugal à Frente, a 3 de outubro de 2015, em... São João da Madeira. Uma terra que, como o resto do país, merece ser mais do que um pretexto.

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