Poderes presidenciais no Supremo ou impeachment?

Que natureza tem o acto presidencial de nomeação do primeiro-ministro? Será um acto estritamente político?

Foram já alguns ilustríssimos constitucionalistas e cronistas que se pronunciaram sobre a questão de saber da responsabilidade dos actos praticados pelo Presidente da República. A Constituição da República Portuguesa é uma lei que se vai descobrindo ao longo da sua vigência, em face dos casos concretos que se apresentam, mesmo que a sua vigência tenha décadas e seja fundamental, mas ao poder político exige-se que o mesmo a conheça profundamente. Dirimido o caso concreto recente “posse do governo”, o debate deve continuar, até porque se avizinham eleições presidenciais.

Por força do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais os actos praticados pelo Presidente da República, por maioria de razão as omissões, são susceptíveis de apreciação, contenciosa, da sua conformidade com a legalidade, pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Ao mesmo tempo que a Constituição confere poderes presidenciais de natureza política, certo é também que a presidência pratica actos, em obediência à lei e à própria Constituição, que estão na alçada do direito administrativo.

Na verdade, o poder presidencial mais grave e importante só se apresentou à evidência, a esta data, no papel do poder excepcional, de resto condicionante da vida política, se e quando o Presidente usasse o direito constitucional de dissolver o Parlamento. Esse direito de dissolução do Parlamento foi exercido, mais do que uma vez, e em qualquer delas não foi suscitada a questão da legalidade do acto em concreto. Mas poderia ter sido colocada essa questão.

Em igual patamar, ou grau de importância e de gravidade do acto presidencial, encontra-se o poder de nomear o primeiro-ministro “... ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” por imperativo constitucional.

Que natureza tem o acto presidencial de nomeação do primeiro-ministro? Será um acto estritamente político, praticado por um órgão de soberania, ou será também um acto susceptível de apreciação da sua legalidade?

Em rigor, trata-se de um acto político típico, mas que contém em si mesmo uma dimensão de imperatividade de obediência à lei, não só quanto à obrigatoriedade da prática do acto, mas também quanto ao critério de escolha da nomeação. O poder discricionário de nomear determinada e concreta pessoa para primeiro-ministro não é uma discricionariedade que se pode furtar a uma vinculação legal, nomeadamente de nomear conforme uma interpretação equilibrada, prudente, ética e justa dos "resultados eleitorais".

E esse equilíbrio reside nos princípios gerais da interpretação das leis, interpretação essa que se deve fazer do conceito constitucional, por um lado, e de uma percepção da vida política e social, no momento da nomeação, por outro, sendo que, nesta última parte, a tipicidade estritamente política da decisão parece pacífica, mas não prejudica a jurisdição administrativista do acto quanto ao primeiro elemento de interpretação, nunca prejudicando o poder do Parlamento confirmar, ou não, o governo.

Quer dizer, na parte da nomeação, em razão dos resultados eleitorais, a prática desse acto carece de fundamentação, atacável contenciosamente por interessado declarado legítimo.

Transpondo para as recentes eleições legislativas, imagine-se que o Presidente da República, usando o seu direito de nomear o primeiro-ministro, fundamentava-se na enorme confusão, que invocava residir na cabeça dos dirigentes dos partidos mais votados e nomeava, por isso, um cidadão de reputação duvidosa. Na impossibilidade lusa de impeachment, como reagir?

 A lei é geral e abstracta, porque as situações que regula podem ser as normais ou as menos normais. Estão ainda, em Portugal, muito pouco explorados os mecanismos de reacção jurídica aos actos presidenciais.

Advogado

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