Passos só pode esperar
No ciclo que se inaugura cabe a Passos Coelho ser líder da oposição, depois de ter sido primeiro-ministro.
Se dúvidas havia, esta semana elas foram esclarecidas pela comunicação do Presidente da República anunciando que tinha promulgado o Orçamento do Estado para 2016. Com Marcelo Rebelo de Sousa empossado Presidente e António Costa na chefia do Governo, iniciou-se um ciclo político. Esta mudança não é apenas formal e devida às eleições. Há uma alteração real de atitude de funcionamento nestes dois órgãos de soberania em relação ao país e entre si. É notório que ambos estão apostados em transmitir uma imagem de sintonia de propósitos e uma cooperação activa em prol do interesse nacional.
Fazem-no com técnicas mediáticas diferentes dos anteriores ocupantes daqueles dois órgãos de soberania. Não quer isto dizer que os actuais serviços da presidência dominem as técnicas e os novos meios de comunicação melhor do que os serviços do anterior Presidente. O mesmo se pode dizer do gabinete do actual primeiro-ministro em relação do antecessor. Mas é transparente que quer Marcelo Rebelo de Sousa quer António Costa apostam numa mediatização que passa pela apresentação pública do seu exercício de poder como um espectáculo de proximidade e não de acordo com os padrões do exercício de poder pelo cultivo de uma imagem de autoridade e de distância. Esta opção pela imagem de proximidade, numa época em que os meios de comunicação actuam segundo padrões de imediatismo, veio acentuar aos olhos de todos esta mudança de ciclo. O que é potenciado também pela qualidade dos dois performers.
No novo ciclo há também mudança de conteúdos e não apenas de forma. O novo primeiro-ministro aposta em soluções que são diversas das do anterior Governo. Opções que partem de pressupostos político ideológicos assumidamente diferentes e que propõem soluções diferentes. Isso é visível na actuação concertada entre Presidente e primeiro-ministro que está desenhada em relação ao Plano Nacional de Reformas e ao Programa de Estabilidade que deverá ser entregue pelo Governo em Bruxelas no fim de Abril. Depois de Costa passar uma semana a lançar o debate, esta semana será a vez de Marcelo discutir esta questão no seu Conselho de Estado, uma reunião para cuja primeira parte convidou o presidente do BCE, Mario Draghi. Ou seja, a imagem de união institucional e de unanimidade em torno das propostas portuguesas para o próximos anos de apoios financeiros comunitários será absoluta e a fotografia da paz interna até contará com Draghi.
Esta mudança acentua que afinal sempre havia alternativas às soluções que Passos Coelho defendeu enquanto primeiro-ministro. Agora é o tempo de aguardar que as propostas de Costa façam o seu caminho e procurem obter o sucesso a que o Primeiro-ministro se propõe, tal como aconteceu com Passos na última legislatura. Aliás, é uma verdade incontestada que em democracia há sempre alternativa. Por agora apenas é possível aguardar para ver quais os resultados obtidos por António Costa e qual a receptividade que a União Europeia terá às suas propostas de alteração de estratégia de governação.
No ciclo que se inaugura cabe a Passos Coelho ser líder da oposição, depois de ter sido primeiro-ministro. Um papel difícil que desde Mário Soares nenhum ex-primeiro-ministro esteve disposto a tentar. Passos chegou assim ao congresso de Espinho numa posição inédita: chefiou o Governo uma legislatura em que o país esteve submetido a uma intervenção externa, ultrapassou essa fase com sucesso e ganhou eleições, mas acabou por ver o seu Governo derrotado por uma moção de rejeição do programa na Assembleia da República em que a esquerda é maioritária.
A peculiaridade da situação impede que a sua liderança seja desafiada e, por isso, Passos recandidata-se sem oposição. E fá-lo dando claramente a entender que está convencido de que o caminho agora inaugurado por Costa não trará desenvolvimento e crescimento económico. Nesse pressuposto parece restar a Passos apenas uma estratégia, aquela que mostra estar apostado em seguir, a de esperar pela falência e pelo fracasso das apostas e das soluções de António Costa, apadrinhadas por Marcelo Rebelo de Sousa. Terá, porém, de assumir uma oposição activa e não expectante.
Passos ganhou o direito a que o PSD respeite a sua estratégia de oposição. Até porque mostrar-se agora colaborante com Costa seria dar o dito por não dito e atirar fora a credibilidade política por si adquirida como primeiro-ministro. A questão é a de saber até quando irá o PSD respeitar o direito a esperar que Passos conquistou. Até às legislativas? Até às autárquicas?
P.S.: – Ainda sobre a corrupção no Brasil, dois esclarecimentos. Escrevo “A Semana Política” num espaço de opinião e não num espaço noticioso. O relativismo ético e a superioridade moral da esquerda são duas atitudes em que não me revejo.