Passos atrás
A ironia do destino é que Passos teve de mudar aquele argumento em que parecia mais fácil acertar. E a incógnita é perceber que consequências terá este caminho e como vai ele ser percepcionado pelos portugueses.
Foi em Março deste ano que Passos Coelho deu a sua primeira grande entrevista depois de ter voltado à oposição. Já tinha passado o primeiro teste da ‘geringonça’, a negociação do Orçamento deste ano com a Comissão Europeia, e esse teste foi duro. Passos apareceu, na SIC, apostado em que as contas iriam falhar.
A frase-chave da entrevista era esta: “Para poder devolver os salários todos num ano só e cumprir as metas ou há um milagre ou há consequências". Sem "fé" na política de António Costa e nas contas de Mário Centeno, o líder do PSD até alinhou num desafio que lhe foi feito pela jornalista: e se a estratégia do Governo der certo? "Serei o primeiro a defender o voto no PS, no BE e no PCP", ironizou.
Passaram sete meses. Agora, nesta extensa entrevista ao PÚBLICO que hoje acabamos de publicar, Passos não diz que defenderá o voto à esquerda, mas já admite que as contas podem mesmo bater certo. Só que, acrescenta, isso só será feito com medidas extraordinárias ou pouco sustentáveis. E, não, não eram estas as consequências que o PSD previa.
Convém anotar: a nova linha de ataque político do PSD tem argumentos plausíveis. Sobretudo o da enorme compressão da despesa que o Governo está a fazer em serviços tão importantes como a Educação e a Saúde. Olhando para as notícias que nos vão acompanhando, os serviços públicos funcionam em esforço, muito do sucesso da consolidação faz-se pela queda do investimento - e nada disto é sustentável no longo prazo. Acontece que isso não é diferente do que já vimos antes. No Governo, aliás, liderado pelo próprio Passos Coelho.
Não, Passos Coelho não virou o discurso do avesso. Os argumentos sobre o fraco crescimento da economia estão lá, a dívida teima em não descer, as taxas de juro também - indicando que o país está a aguentar, mas nem tanto a recuperar. E é também verdade que os impostos que estão a vir, vieram para ficar.
A ironia do destino é que Passos teve de mudar aquele argumento em que parecia mais fácil acertar. E a incógnita é perceber que consequências terá este caminho das esquerdas e como vai ele ser percepcionado pelos portugueses.
Politicamente, nada mudou. Passos continua na mão dos resultados de Costa, continua também sem oposição no PSD. Daqui até às autárquicas, ninguém se atreverá a dizer o que pode acontecer. Mas há um senão: chegar às autárquicas com o Governo de pé e uma derrota nas urnas pode ser o princípio do fim. E baixar já a fasquia em Lisboa e no Porto não é, seguramente, um bom prenúncio.