Os três D
Apesar das fragilidades e até das debilidades da sociedade portuguesa, os três D estão cumpridos.
O 25 de Abril faz 42 anos. Mais um aniversário de uma data que é hoje histórica, mas que para as gerações mais velhas tem ainda um simbolismo especial e quotidiano. Para muitos de nós, a revolução que pôs fim à ditadura faz parte das nossas vidas, mas para a maioria dos portugueses o 25 de Abril é apenas um momento da história que marca a transição entre duas formas de organizar a sociedade: a autoritária e a democrática. E deve ser celebrada por isso mesmo, por ser o acontecimento-chave que abriu as portas à instalação da democracia, potenciando o desenvolvimento social e económico, promessas contidas nos três D da revolução: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver.
Há uma diferença cósmica entre o Portugal de 1974 e o Portugal de hoje. São universos diferentes e até opostos a sociedade portuguesa hoje e o que era então. O país a preto e branco, talhado para cenário de qualquer livro ou filme neo-realista, deu lugar a um país cuja sociedade e economia pertencem ao que se convencionou chamar o “primeiro mundo”, e está integrado numa organização política internacional da dimensão da União Europeia.
Portugal vive hoje noutra galáxia em relação ao que era há 42 anos. Somos uma sociedade democrática e diversificada que permite assumir as nossas diferenças, todas elas, incluindo as ideológicas. Em Portugal há hoje uma vida política democrática, em que os representantes políticos são escolhidos através do voto e de acordo com as preferências e simpatias político-ideológicas dos cidadãos. Assim, se formam os governos, como em qualquer democracia. E o país é governado segundo as regras banais da democracia.
Esse mérito – um dos grandes se não o maior mérito que o 25 de Abril trouxe –, o de termos um sistema político democrático em que os partidos representam as escolhas dos cidadãos e alternam no governo de acordo com os resultados das eleições, permite que diferentes concepções de sociedade se sucedam no poder. Por isso, nos últimos 40 anos, temos tido várias soluções, todas parlamentarmente legitimadas, desde executivos assentes em maiorias absolutas a outros de maioria relativas. O poder tem sido assim ocupado por governos de esquerda ou de direita, com desempenho apenas de um partido, de coligações e mesmo de partidos que governam sozinhos apoiados parlamentarmente por outros.
Esta última solução é a que vivemos hoje com o actual Governo chefiado pelo secretário-geral do PS, António Costa, que se estreou como construtor de acordos políticos bilaterais separados com o BE, o PCP e o PEV para derrubar, no Parlamento, o Governo da coligação entre o PSD e o CDS. Costa inovou o sistema político não só porque foi primeiro-ministro apoiado por toda a esquerda parlamentar, mas também porque é o primeiro líder político a chefiar um governo em Portugal sem que o seu partido tenha vencido as eleições. Frise-se que as legislativas de 24 de Janeiro foram ganhas pela coligação liderada pelo presidente do PSD, Passos Coelho.
Com a legitimidade constitucional e parlamentar, Costa governa o país, assumindo as preocupações sociais da esquerda parlamentar e procurando dar prioridade às bandeiras próprias de uma visão social-democrata da sociedade. Um projecto de governação baseado na garantia de uma mais justa redistribuição da riqueza e obedecendo a princípios de gestão da economia defensoras, por exemplo, de que os estímulos ao consumo podem levar ao crescimento económico.
Opta assim por soluções e medidas que são diferentes e até opostas das do anterior Governo, liderado pelo presidente do PSD, Passos Coelho, que teve de enfrentar um período de intervenção externa das instituições internacionais credoras do Estado português, as quais impuseram um guião à governação de ajustamento da política orçamental que assentava numa política fiscal penalizadora dos rendimentos do trabalho.
Agora, obedecendo à sua orientação política e ideológica, o Governo de Costa opta por não aumentar os impostos directos sobre os rendimentos do trabalho e inverteu mesmo a lógica fiscal devolvendo rendimento aos trabalhadores. Estratégia que mantém nos documentos vitais agora em aprovação, o Programa Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade.
O momento político que se vive em Portugal é a demonstração da alternância democrática a funcionar. Ninguém pode garantir que a solução apontada por este Governo vá resultar. Não é possível adivinhar se a baixa de défice para 1,4% em 2017 será cumprida. A prática em Portugal é a de que estas metas nunca sejam atingidas com rigor, do mesmo modo que as previsões orçamentais têm sido sempre sujeitas a rectificativos. As já crónicas falhas de rigor orçamental são prejudiciais ao desenvolvimento. Mas, apesar das fragilidades e até das debilidades da sociedade portuguesa e mesmo sabendo-se que hoje há novas exigências de democratização e de desenvolvimento, é impossível negar que, em relação ao ponto de partida, os três D estão cumpridos.