Finanças: um mês quente que termina com cinco mil milhões
Foi um mês negro para a gestão no Ministério das Finanças, da polémica das viagens da Galp aos chumbos na Caixa Geral de Depósitos. Centeno só aliviou a pressão com a solução de cinco mil milhões para o banco público.
Mário Centeno sorriu, com ar espantado, talvez pelo facto de ninguém na sala, naquela conferência de imprensa, lhe perguntar pela vitória que reclamava. As televisões não destacaram e os jornais no dia seguinte não puxaram pela frase que na altura fez questão de frisar: “O acordo é uma boa notícia, uma muito boa notícia”. A ideia não passou e o que ficou no papel foi que as contas orçamentais teriam de ser revistas para acomodar a injecção de capital. Centeno não apareceu como o salvador da Caixa nem da pátria, pelo menos da financeira.
O Ministério das Finanças é um dos que, por defeito, se encontram sempre debaixo de fogo. Mas neste mês de Agosto – neste “horrível mês de Agosto, como o PSD fez questão de frisar – foram vários os episódios de "má gestão política", como diz Pedro Adão e Silva, professor universitário no ISCTE. O retardador noticioso de Julho e Agosto (há quem lhe chame silly season) permitiu que as notícias mais incómodas para as Finanças sobre o banco público fossem carburando ao longo de dias, mesmo que as Finanças insistissem nas vitórias. E nem aliviaram o garrote quando, nessa mesma conferência de imprensa, o ministro das Finanças apareceu feliz por ter conseguido uma solução que não terá, à partida, impacto nas contas públicas.
É preciso fazer rewind para perceber como as Finanças foram cozendo no lume brando das notícias de Verão. Sem vítimas políticas – ou seja, sem demissões, com muita resistência e, sobretudo, com muita oposição. E com fragilização para o futuro? Pedro Adão e Silva, também comentador da RTP, diz que este foi "um mês horribilis que fechou em contra-tendência", e salienta a solução para a CGD e a execução orçamental como as duas notícias que terão ajudado Centeno a "afastar o Diabo", de que o líder da oposição, Passos Coelho, tanto falou. "Quando se diz que o cenário de hecatombe está para chegar e depois há a capitalização da Caixa em montantes que nem um optimista crónico imaginaria e não sendo ajuda de Estado, e uma execução orcamental que, não sendo fantástica, afasta o Diabo, isso torna a coisa óptima em termos políticos para o Governo", diz ao PÚBLICO.
Mas há outra dimensão que o comentador destaca. Esta foi mais uma negociação com Bruxelas que termina "bem" o que "sugere que entre Dezembro e Janeiro e Julho e Agosto desenvolveu-se uma relação com Bruxelas. “A Europa afinal tem disponibilidade para aceitar soluções do Governo português", refere.
Se o fim da história trouxe sorrisos no valor de mais de cinco mil milhões de euros (com 4,16 mil milhões de euros de esforço público e emissão de dívida subordinada de mil milhões para privados) o início do mês foi "terrível", recorda. Durante várias semanas, o Terreiro do Paço esteve debaixo de fogo mediático. Há precisamente um ano, António Costa andava no centro das atenções numa gestão difícil da campanha eleitoral com a polémica dos cartazes falsos e da discussão em torno da promessa da descida da taxa social única. "Provavelmente perdeu as eleições por isso", acrescenta Adão e Silva. Agosto voltou a ser difícil.
"Sim" e "não"
Um dos episódios que começou por chamuscar o detentor da pasta das Finanças foi facto de Banco Central Europeu ter dito “sim” e ao mesmo tempo “não” à proposta para a administração do banco público. O regulador europeu deu luz verde aos sete executivos escolhidos pelo novo presidente da Caixa, António Domingues, mas lembrou ao Governo que a lei portuguesa impedia oito dos 12 não executivos de poderem entrar em funções. E chumbou ainda a acumulação de funções de António Domingues. Aqui, o Executivo ouviu críticas que atravessaram a direita e chegaram aos parceiros da esquerda. Passos disse mesmo que o processo da Caixa era uma "espécie de manual do que não se deve fazer num Estado democrático”.
Mude-se a lei
Mas ainda nesse capítulo da CGD, o Governo viu-se obrigado a recuar na intenção de alterar a lei bancária, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) para permitir a acumulação de cargos dos administradores bancários - uma alteração que seria feita à medida dos oito nomes de empresários que o Governo queria ver na administração do banco público. A intenção foi divulgada pelo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, mas caiu por terra com estrondo por oposição do PCP, BE e até do Presidente da República.
Dinheiro retido
Antes do assunto CGD alimentar polémicas, já o Ministério das Finanças estava debaixo de fogo por causa dos impostos. Uma das questões que importunou as férias dos portugueses foi a dos supostos atrasos nos reembolsos do IRS. Apesar de a lei dar ao Governo a prerrogativa de fazer os pagamentos até ao dia 31 de Agosto, o problema foi a expectativa criada por Fernando Rocha Andrade. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais assumiu que os reembolsos seriam efectuados até final do mês de Julho e deu gás às críticas da oposição e à insatisfação dos portugueses.
Viagens polémicas
E por falar em Rocha Andrade, dos quatro secretários de Estado que integram o Ministério das Finanças, foi ele o que mais deu que falar em Agosto. Não só por causa dos atrasos no IRS, mas sobretudo porque viajou, a convite da Galp, até França, para ver jogos de Portugal no Euro 2016. O caso, revelado pela revista Sábado, foi agravado pelo facto de a Autoridade Tributária, tutelada pelo governante, ter um contencioso em tribunal com a empresa. António Costa segurou o secretário de Estado – bem como o secretário de Estado da Economia, João Vasconcelos, e o secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira.
Taxar o sol
Com o sol de Julho e Agosto chegou também uma polémica que meteu muita luz. Foi conhecido o decreto-lei, que introduz alterações ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), e que muda os critérios para reavaliações futuras de prédios novos, agravando um dos elementos que integra o coeficiente de qualidade e conforto dos imóveis, que tem um peso considerável para a determinação do Valor Patrimonial Tributável (VPT). Trata-se da localização e operacionalidade relativas, de que faz parte a orientação do prédio (importante em termos de exposição solar) ou a localização do piso.
Durante uma semana, o Governo teve de explicar porque poderia aumentar o imposto para casas com mais sol. E Rocha Andrade mais uma vez no centro das explicações, usando o argumento da justiça social: "Não há nenhuma inovação de fundo em factores como a exposição solar ou outros serem considerados na avaliação dos prédios para efeitos de IMI. Sempre contaram desde que há avaliações dos prédios para efeito”.
Sigilo bancário
Mas no radar das notícias, Rocha Andrade teve um último fogo para apagar. Foi conhecido um relatório da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CPND) que deu parecer negativo a um ante-projecto do Governo que prevê que o fisco tenha acesso aos saldos e rendimentos de aplicações financeiras dos clientes dos bancos, em 2017. O próprio Presidente da República disse, no regresso de férias, que vetaria a lei do acesso a dados bancários. Mais uma marcha-atrás.
No último fim-de-semana, Marques Mendes deixou a ideia de que o Governo precisava de "mudar de modelo", vulgo, remodelação – “matéria sobre a qual já se conversa em sítios governamentais”, disse. Apontou até várias pastas de ministros claudicantes: Economia, Educação e, claro, Finanças. Fontes do Governo ouvidas pelo PÚBLICO assumem, porém, que o calor de Agosto não sufocou Centeno e que ele está de pedra e cal. Pedro Passos Coelho ironizou: "Parece que há quem diga que o ministro das Finanças já está a mais no Governo. Eu acho que ele é o paradigma do Governo pois no dia em que o ministro das Finanças estiver a mais, é o Governo que está a mais.”