Por causa da CGD, o Governo está isolado na batalha contra o BCE

Regulador bancário europeu admite até 15 administradores não executivos, mas não impôs limite. Secretário de Estado das Finanças desvaloriza decisão: "Não vou dizer que não é importante, mas não é central".

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O secretário de Estado diz que as mudanças vão ser em breve Daniel Rocha

O braço-de-ferro entre o Governo e o Banco Central Europeu (BCE) sobre a administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD) não vai terminar na próxima semana com a entrada em funções dos onze administradores que tiveram luz verde de Frankfurt. O executivo viu o BCE chumbar a nomeação de oito administradores não executivos, mas para forçar a entrada em funções destes membros vai alterar a lei bancária. E para o fazer tem de fazê-lo sozinho. No que toca à Caixa, António Costa e Mário Centeno não vão poder contar com a oposição, nem com os partidos da esquerda que o apoiam, nem com a comissão de trabalhadores do banco. Estão todos contra. Apesar das contrariedades, para as Finanças, a decisão não foi uma derrota. "Não, não. Não vou dizer que não é importante, mas não é central", diz Mourinho Félix ao PÚBLICO.

O secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, garantiu ontem que o executivo vai mudar o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e, como a chamada lei bancária é uma lei do Governo (aprovada por decreto-lei), este deve avançar sozinho sem que a lei passe pelo Parlamento. Na prática, o que o Governo quer é afrouxar as amarras da lei que impede a acumulação por parte de um administrador de vários cargos em órgãos sociais de outras sociedades. 

Mourinho Félix argumenta que a actual legislação é "mais restritiva" que a directiva europeia que lhe deu origem. "Num país pequeno como Portugal, isto torna-se particularmente restritivo", diz o governante, acrescentando que a decisão de mudar à medida da CGD não é nenhum "contorno à lei". O Governo quer assim alterar a forma como são contabilizados os cargos de cada administrador, uma vez que na lei portuguesa, cada cargo "conta um por si", explica o governante, independentemente de serem cargos em empresas do mesmo grupo, o que não acontece na directiva europeia e na maioria dos países europeus.

Nem todos os convidados, que agora foram chumbados, poderão vir a ter lugar na CGD no final das negociações. Isto porque o BCE deu a indicação de que preferia que a administração não excedesse os 15 administradores (logo, faltariam nomear apenas mais quatro e não oito). "Mas não houve nenhuma limitação imposta", assegura Mourinho Félix ao PÚBLICO. 

A proposta inicial do Governo foi de 19 nomes: sete executivos e doze não executivos. Destes, o BCE, segundo foi oficializado pelo Ministério das Finanças na quarta-feira, aprovou os sete executivos escolhidos pelo novo presidente António Domingues, quatro não executivos e os quatro membros do Conselho Fiscal, que têm assento no conselho de administração por inerência. 

A solução não tem data marcada, Mourinho Félix diz que será "brevemente" porque para o Governo é importante a ligação do banco público a empresas. "O que o sistema bancário precisa é de um contacto grande com as empresas. Foi isso que pensámos para a Caixa e por isso convidámos um grupo de administradores de empresas", justificou o secretário de Estado em declarações a jornalistas.

Contactado pelo PÚBLICO nem o Banco de Portugal nem o BCE quiseram fazer comentários.

BE e PCP dizem não

Se avançar por decreto, o Governo não precisa do apoio dos partidos - que podem no entanto chamar a legislação à discussão na Assembleia. Aí, a situação será diferente. Tanto o BE como o PCP disseram ao PÚBLICO que não concordam com a alteração à legislação e querem que, a haver uma mudança, seja para apertar mais as regras de acumulação de funções de administradores.

"Estamos disponíveis para uma lei mais restritiva, que limite de forma rigorosa o número de cargos. Por princípio, a acumulação é errada. Para permitir a acumulação de cargos e as excepções da CGD, para isso não [estamos disponíveis]", diz ao PÚBLICO a deputada do BE, Mariana Mortágua. A deputada admite uma alteração à lei que não deixe à vontade do BCE esta decisão, mas também não quer uma lei feita à medida da CGD.

O PCP vai pelo mesmo caminho. "Vamos ver qual é a proposta. Uma alteração que permita que gestores em empresas públicas acumulem funções com o privado, não estamos de acordo com isso. O gestor público deve estar implicado no interesse público", disse ao PÚBLICO Jorge Pires, da comissão política do comité central do PCP. Além da questão da lei, os comunistas não apoiam sequer a nova administração escolhida pelo Governo PS. "Muitas vezes a gestão da Caixa confundiu-se com a gestão de um banco privado. Na nossa opinião, esta administração não corresponde às características que deve ter uma administração, que deve ser identificada com a defesa do interesse público", reforça o dirigente do PCP. Também a comissão de trabalhadores da CGD se manifestou, mas pegando no facto de não haver nenhum elemento que seja quadro do banco público. "É estranho que uma transição se faça sem uma única pessoa da casa"´, disse Jorge Canadelo à Lusa.

O PSD foi o mais duro nas considerações. O líder parlamentar do PSD considerou "patético" o facto de o Governo querer mudar a lei: seria "uma feita à medida, para ultrapassar a sua própria incompetência", disse Luís Montenegro. Já Pedro Mota Soares, do CDS, apelou ao Governo para rever algumas decisões: "O Governo devia aproveitar esta oportunidade para, primeiro, reduzir o número de administradores da Caixa, e, segundo, não aumentar os vencimentos dos administradores". 

Mais exigências do BCE

Mas há mais exigências do BC em cima da mesa. De acordo com o Jornal de Negócios, o BCE, pela mão do próprio presidente Mario Draghi, obriga três dos novos executivos da CGD a frequentarem um curso de gestão bancária estratégica do INSEAD e outros a terem formação complementar. E mais, tendo em conta a composição da administração, o regulador europeu, segundo o Negócios, exigiu que até 2018 tem de haver pelo menos 30% de mulheres na composição total de cada um dos órgãos. Uma imposição que o Governo diz que vai acolher até à data limite, apesar de ter visto a única mulher que propunha, Leonor Beleza, não ser aceite como vice-presidente sem funções executivas.

A visão do executivo para a CGD, que não foi totalmente aprovada pelo regulador, passava ainda por mais dois aspectos: António Domingues acumular os cargos de presidente da comissão executiva e de presidente do conselho de administração; e a CGD ter um conselho de administração com não executivos que fiscalizassem a actuação dos executivos a partir de comissões especializadas. A segunda passou, a primeira só por seis meses (ver texto ao lado). E depois? "Vamos discutir com o BCE os nossos argumentos ou os convencemos ou não", resume Mourinho Félix. 

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