António Costa prometeu ficar na Câmara de Lisboa até 2017?

O líder do CDS-PP lançou a farpa a António Costa numa entrevista, acusando-o de ser “moralista”. É caso para dizer que quem tem telhado de vidro não deve atirar pedras ao do vizinho.

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António Costa renunciou ao mandato de presidente da Câmara de Lisboa a 1 de Abril de 2015 Rui Gaudêncio

A frase

O contexto
Foi a última pergunta da entrevista conduzida pelo jornalista Vítor Gonçalves: achava Paulo Portas que “a factura” do episódio “que ficou conhecido como a demissão irrevogável” ia ser “cobrada” nas eleições que se avizinham? “Serão os eleitores a avaliar isso”, respondeu o líder do CDS-PP, que aproveitou para lançar uma farpa a António Costa, depois de fazer uma recomendação genérica aos políticos para que não sejam "moralistas”.  

Os factos
O PÚBLICO consultou dezenas de notícias, com inúmeras declarações de António Costa e de respostas suas aos jornalistas dos mais variados órgãos de comunicação social, e não encontrou uma só em que António Costa dissesse que ficava na Câmara de Lisboa até ao final do mandato. Encontrou sim uma série de respostas pouco claras do autarca, ou mesmo evasivas, àquela que pode bem ter sido a pergunta que mais vezes lhe foi feita antes das eleições autárquicas de Setembro de 2013 e logo após o escrutínio.

“O que sei é que tenho Lisboa no coração e sobre isso não tenho dúvidas”, respondeu António Costa numa das ocasiões em que o questionaram sobre se não estava “em Lisboa com os olhos no Largo do Rato”. Noutra entrevista, o autarca disse que aquilo que era preciso era que as pessoas se concentrassem “naquilo que interessa, que são as eleições de Lisboa”, acusando aquele que era o seu principal opositor, Fernando Seara, de querer desviar as atenções com dúvidas sobre o seu futuro político.  

A falta de garantias de António Costa foi aliás muito explorada por Fernando Seara na corrida para a presidência da autarquia. “Em Lisboa com os dois pés” foi uma das frases fortes da campanha do candidato da coligação PSD/CDS/MPT. Por toda a cidade surgiram cartazes com essa mesma ideia, com a qual António Costa havia de gozar, dizendo que o seu rival tinha “a ideia bizarra de que se governa a cidade com os pés”.

Na noite da vitória eleitoral, ainda o autarca socialista se congratulava com aqueles que considerou serem "os melhores resultados eleitorais alguma vez alcançados por um partido político numas eleições autárquicas em Lisboa" e já havia quem lhe perguntasse mais uma vez se iria cumprir aquele que era o seu derradeiro mandato até ao fim ou se pretendia disputar a liderança do PS com António José Seguro. “É um bocado prematuro querer ver-me já pelas costas”, limitou-se a dizer na ocasião.

Assunto diferente é aquele que tem a ver com a acumulação da presidência da Câmara de Lisboa com a liderança do PS. Aí sim, António Costa foi categórico quando explicou, em Junho de 2011, porque não entrava na corrida para o lugar de secretário-geral do partido. “Não é possível acumular a liderança do PS e a presidência da câmara de Lisboa. O PS precisa de um secretário-geral a tempo inteiro e a cidade de Lisboa de um presidente com dedicação exclusiva”, afirmou na altura.

Mais de três anos depois, em Setembro de 2014, António Costa acabou por vencer as eleições primárias, disputadas com António José Seguro. Dias depois, o autarca afirmou publicamente que não havia, pelo menos nessa altura, qualquer "impedimento" a que continuasse à frente da câmara, acrescentando logo depois que quando houvesse "alguma coisa a clarificar" o faria. 

"O meu mandato na câmara municipal é até 2017, não creio que tenha acontecido alguma coisa que tenha constituído um impedimento para este mandato", disse, deixando no entanto antever que isso mudar em breve: "Para já exercerei o meu mandato, que é o que me compete fazer", rematou.

E a verdade, como o grupo do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa fez questão de sublinhar várias vezes depois disso (lembrando as tais declarações de 2011 sobre a impossibilidade de acumulação de cargos), é que António Costa não abandonou de imediato a autarquia. Só em Abril de 2015 é que o socialista entregou a presidência do município ao seu número dois, Fernando Medina, para se dedicar em exclusivo ao partido.   

Já Paulo Portas, é bom lembrar, concorreu à presidência da Câmara de Lisboa em 2001 com o slogan “Eu fico”, frase que ainda hoje muitos se recordam de ver nos cartazes. Contra alguns vaticínios, o líder do CDS-PP levou a campanha até ao fim, recusando-se a desistir da corrida para dar maior margem a Pedro Santana Lopes, que havia de se sagrar vencedor das eleições. Mas a verdade é que em Abril de 2002, menos de quatro meses depois de ter tomado posse como vereador da autarquia, Paulo Portas acabou mesmo por bater com a porta, para assumir o cargo de ministro de Estado e da Defesa do Governo de Durão Barroso.

Em resumo
A avaliar pelas declarações públicas de António Costa, Paulo Portas não tem razão quando acusa o secretário-geral do PS de ter faltado à palavra sobre o cumprimento integral do mandato na Câmara de Lisboa. Na verdade, foi o líder do CDS-PP quem não cumpriu o que disse. Duas vezes: a primeira em 2001 e a segunda já em 2013, com a demissão "irrevogável", que afinal não o era.
 

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