A maldição do ceteris paribus
Nada se mantém igual, a não ser os desencontros dos economistas com o debate político.
Se eu cortar uma perna, tudo o resto se mantendo igual, conseguirei abater na balança os dez quilos que tenho a mais. O problema é que o resto não se mantém igual. Terei também uma vida mais sedentária e poderei engordar mais do que os dez quilos que perdi. Ou talvez fique sem vontade de comer, perdendo vinte quilos em vez de dez. Ninguém sabe. É por isso que pouca gente corta pernas para perder peso.
Aquele “tudo o resto se mantendo igual” (ou, para ser mais rigoroso, “constante”) é o equivalente à expressão latina “ceteris paribus”. O “ceteris paribus” tem algumas virtudes. Entre outras, é indispensável ao pensamento económico, e por boas razões. Mas é também a principal causa para o enorme desencontro entre o discurso dos economistas e a vida do resto da sociedade.
Um exemplo já clássico é o do debate sobre o euro, ilustrado nos últimos dias por uma (de resto muito interessante) entrevista a Joseph Stiglitz onde este economista defende que “custa mais a Portugal ficar no euro do que sair”. Stiglitz não é só um prémio Nobel; é um dos maiores intelectuais do mundo e tem escrito algumas das melhores coisas sobre desigualdade, globalização ou a crise financeira. Isso não o impede de cair, talvez sem se dar conta, na maldição do ceteris paribus.
Vejamos: Stiglitz não defende na entrevista que Portugal deva também sair da União Europeia ou do mercado único, certo? Isso acontece por uma razão simples: caso Portugal saísse da UE ou do mercado único as contas para a saída do euro mudariam significativamente. Um mero exemplo: Portugal poderia desvalorizar a sua nova moeda mas não teria para onde exportar os seus produtos sem custos tarifários e alfandegários adicionais.
Ora, o “divórcio amigável” que Stiglitz propõe para Portugal incluiria certamente mais do que euro. O resto não se mantém igual. Para sairmos amigável e ordenadamente do euro e ficar na UE (e no mercado único) teríamos de convencer 28 países a aprovarem unanimemente em cerca de 40 câmaras parlamentares e alguns referendos uma exceção feita à medida para nós. E essa missão no mínimo hercúlea, que os economistas nunca mencionam, basta para tornar muito mais difícil sair do que ficar. Podemos gostar ou não do facto (eu não gosto) mas não temos o direito de o ignorar.
A esta objeção costumam os adeptos da saída do euro retorquir com a irreformabilidade do euro. Mas a evolução dos factos não lhes dá razão. Antes de 2012, por exemplo, queixámo-nos todos de um Banco Central Europeu pouco ativo na compra de dívida dos estados — o mesmo não se pode dizer hoje. Dissemos que a Alemanha ganhava sempre — e entretanto já perdeu várias vezes no BCE e no Tribunal de Justiça da UE. Que a Comissão ia sancionar Portugal por causa do défice — e vimos o que não aconteceu. Estas são batalhas políticas que se podem perder, mas também ganhar. Quantas mais batalhas políticas até se descobrir que, ao contrário do que se costuma dizer, a coesão e o pleno emprego estão entre os objetivos do mandato do BCE?
Nada se mantém igual, portanto. A não ser os desencontros dos economistas com o debate político.