Cartas à Directora
Obrigada, Paulo Varela Gomes
Fui aluna de Paulo Varela Gomes no 10.º ano do Secundário, em 1980-81, nos Viveiros, hoje Escola Eça de Queirós, em Lisboa. Foi meu Professor de História. Tinha terminado a Faculdade havia pouco. As suas aulas eram fantásticas, de uma vivacidade extraordinária. Profundas, mas profundamente simples. Prendia-nos do primeiro ao último minuto, a nós todos, adolescentes, à volta dos 15 anos.
Com ele aprendi um outro olhar sobre a História, cansada que estava da cronológica história que nos acompanhava desde a Primária. Um dos temas de que me lembro melhor foi a Demografia do Antigo Regime, todo um mundo de coisas novas em torno de Philippe Ariès. A história feita vida, a latejar. A história também como forma de olhar o que estava a acontecer à nossa volta, nesses tempos de tantas mudanças, no país, nas ruas, nas nossas casas. Em nós.
No 11.º ano o Professor não voltou. Saudades imensas das suas aulas diferentes de tudo o que conhecêramos até ali.
Desde então, fui acompanhando de longe o seu percurso. Li as suas crónicas, vi os seus programas de televisão, segui a sua vida universitária e também política, as suas estadas no Oriente. Encontrei-o pessoalmente numa conferência que fez no Palácio da Ajuda, há muitos anos, creio que sobre Vieira Lusitano, onde recordámos os tempos dos Viveiros.
Soube da doença há já bastante tempo. O texto da Granta foi um murro no estômago. Tive muita esperança que conseguisse superar.
E, no entanto, transformou-se em livros nestes breves anos. Uns atrás dos outros. Agarrando a vida. O Era uma vez em Goa foi um dos meus guias de viagem no Verão passado.
No dia 20 de Abril não esteve no lançamento do livro sobre o pai, o Coronel Varela Gomes, no Liceu Camões. Fiquei apreensiva com a sua ausência.
No sábado, uma tristeza imensa.
Foi um dos Professores – com P grande – que deixou marcas fundas. Foi sempre uma referência ao longo de todos estes anos.
Até agora, quando de frente enfrentou a morte e até ao fim nos ensinou a vida.
Cristina Rodrigues, Lisboa
Um logro
Cada um cresce, duma forma quase irracional, com determinada apetência religiosa, política, clubista, com uns dons de artes, desporto, eloquência, de inteligência, e por aí adiante. Toda esta formação é refinada com o convívio e ensinamento dos familiares, dos amigos e colegas, e consubstanciado pelos professores, instrutores e manuais de pesquisa. Dentre esta parafernália, existem os jornalistas, que nos esclarecem, informam o que desconhecemos, ensinam e denunciam. O artigo de João Miguel Tavares no PÚBLICO de 28 de Abril deixou-nos uma sensação amarga do sabor da liberdade de imprensa e de comunicação; a denúncia das entrevistas, previamente combinadas e censuradas, com José Sócrates, foi um murro no estômago. Ficámos com a mesma sensação dum Juiz que está a julgar um criminoso, mas em que os advogados e testemunhas só exaltam as qualidades do réu, e, embora sinta quase de certeza que é um criminoso, absolve-o por falta de trovas. Um logro!
Duarte Dias da Silva, Lisboa