Cartas à Directora
Era uma vez um país que morreu
Havia um país a 24 de Abril - que morreu. E nasceu outro, a 25. Foi há 42 anos.
Foi um dia de festa, o dia em que muitos portugueses conheceram, pele primeira vez, a liberdade. A democracia estava a chegar e a guerra iria acabar.
O país cansado, velho, onde as proibições eram muitas, ferozes, e as permissões irrelevantes, dava lugar a uma nova realidade. No país onde fora proibido pensar - e até vender coca - cola ou usar isqueiro sem licença - passava a ser proibido proibir.
Já lá vão 42 anos. Muitos milhões de portugueses terão nascido entretanto. Assinalar um aniversário do 25 de Abril é, hoje, falar de um passado distante na memória, com muitas leituras e diferentes emoções. Mas é ainda um acontecimento em que a generalidade dos portugueses se revê, mesmo em tempos difíceis.
Foi-nos permitido sonhar que a educação havia de mudar o país. E realmente mudou. Os jovens, muitos com cursos superiores emigram, o declínio demográfico é alarmante. A taxa de fecundidade é das mais baixas do mundo. Uma grande parte dos portugueses vivem momentos de angústia e não se vislumbra horizontes de esperança quanto ao futuro.
Foram as políticas que democraticamente couberam aos civis e foram estes que não se mostraram à altura de governar convenientemente o país. Esqueceram-se que era preciso uma metodologia de economia baseada em princípios de desenvolvimento. O dinheiro que entretanto chegou da UE, desapareceu na voragem do despesismo e das tropelias partidárias em nome dos votos indispensáveis. Desbaratou-se de toda a forma e feitio, e o estremecimento económico arruinou completamente a classe média. A política nas mãos de grupos do dinheiro só podia dar nisto - as classes sociais de menos rendimentos altamente penalizadas e a sofrer na pele a ganância dos poderosos. Se elaborássemos uma lista com os políticos, banqueiros, os grandes empresários e víssemos o trajeto judicial desta "elite" havia de tudo: cadeia, ruina económica, indícios de criminalidade variada, etc.
O nosso destino está, portanto, ameaçado. Quarenta e dois anos depois da revolução dos cravos, contemplamos um país devastado pela corrupção. Agora, entra-nos casa dentro o escândalo rocambolesco dos 'Papéis do Panamá' que nos revela um submundo estranho e mau, desde peixe graúdo da política internacional, finança e artes, mas também muitos portugueses, envolvidos em mais um folhetim de gente sem escrúpulos.
José Fernando Batista, Aljustrel