Cartas à Directora
O olhar de Lisboa
Por favor não me chamem provinciano por ter que falar do centralismo político em Portugal. De facto quem quiser singrar, no nosso país, em termos artísticos ou políticos tem que ir viver para Lisboa. Eu sei que o país é pequeno e que não comporta muitas grandes cidades mas nem assim me convencem. Há uma visão muito sui generis do país por quem vive em Lisboa. O lisboeta, de uma maneira geral, despreza o resto do país, exceto o Alentejo que para ele funciona como uma espécie de jardim da sua casa. A máquina do Estado absorve todas as forças anímicas do resto do país e vive parasitando a sua seiva de criatividade. As ideias, os políticos, os artistas podem nascer a Norte ou no Interior mas, para terem sucesso, têm que ir medrar a Lisboa onde, em breve, passarão a ser ideias, políticos e artistas lisboetas. Depois as verbas, os subsídios, os apoios estatais serão para eles canalizados, porque merecem a aprovação do poder que está, junto deles, em Lisboa. Sempre assim foi, é certo, e, se calhar, sempre assim será, a menos que a regionalização avance e se concretize. Os lisboetas irão dizer que isso é mau porque vão crescer o número de caciques locais e regionais, esquecendo que, até agora, caciques só os há em Lisboa e são nacionais. Basta ler algumas crónicas de comentadores dos nossos jornais de referência para sentir essa snobeira lisboeta, vertida em comentários de mau gosto e em preconceitos descabidos. Basta lembrar como os presidentes da Câmara do Porto quando falam a defender o norte são escutados pelo poder central, caso das alterações vergonhosas das rotas da TAP e das tomadas de posição do Dr. Rui Moreira; ou indo mais longe e lembrar outro presidente, o Dr. Fernando Gomes, que foi mal tratado pelos média quando foi ministro, apenas pelo defeito de ser do Porto e falar com o seu sotaque. Todos sabem que estas figuras públicas não poderão singrar em termos nacionais porque as pseudo elites de Lisboa exigiriam o seu sacrifício ao centralismo, para poderem, um dia, chegar longe politicamente. Desde o 25 de Abril só Sá Carneiro se impôs, politicamente, como homem do norte e mesmo assim teve que se tornar um pouco lisboeta. A própria descrença nos políticos está intimamente ligada ao centralismo e o regime democrático só obterá um novo fôlego e uma nova vitalidade com a regionalização. Enquanto forem os comissários de Lisboa a mandar nas Comissões de Coordenação das pseudorregiões tudo ficará na mesma. Espero que o novo governo avance, o mais rapidamente possível, para um novo referendo sobre a regionalização sob pena da linha que vai de Lisboa ao Estoril, com as suas herdades no Alentejo, continuar, assim, a olhar-nos altaneira e a mandar, de facto, em Portugal!
José Carlos Pacheco Palha, Gaia