Cartas à Directora
O 3.º Encontro dos Leitores-Escritores
E pronto! Sob a batuta da maravilhosa e incansável dr.ª Maria do Céu Mota, lá se encontraram os velhos conhecidos e desconhecidos autores das Cartas dos Leitores, Espaço do Leitor, ou Cartas à Directora, na UNICEP - designações não consentâneas nem consentidas por alguns participantes e criadores de opinião - e conforme foi publicitado por um órgão de Comunicação Social e pela TSF, que fizeram questão de marcar a sua ausência no dia programado para o efeito. Ausência que se compreende, pois um ou outro jornalista/repórter, preferiu ou desejou deslocar-se a outro evento mais nu e cru, neste mesmo dia 13 deste mês, que coincidiu com o encerramento do Eros Porto na Exponor, e aí fazer a cobertura das "castas donzelas", e princesas da tela hard, do arfar e do suspiro, enquanto o coração aguenta pulsante, de pena erecta, e sem pestanejar. Bom! na nossa reunião estiveram os que eram precisos estar. Gente também ela, firme. Autores de todas as cores e credos, de filosofias mais e menos académicas, doutores, superiores, e outras formações arrancadas da dureza das pedras que são vida e fazem a Vida com mais saudável sentido. O tema principal e quase único, foi a relação e vínculo que une os "Leitores-Escritores" com os jornais que lêm e para onde escrevem os "gritos e lamentos, angústias, queixas e deixas, opiniões diversas que entendem fazer e não deixá-las prescrever". Intervenções cívicas e de grande civismo, sérias, sobre a Sociedade para serem levadas a sério. O Encontro durou parte da manhã e da tarde. O almoço decorreu no Cozinha na Baixa, que amávelmente nos abriu a porta e colaborou com a sua disponibilidade num domingo de folga, preparando-nos as mesas com pão e de forma a cabermos todos e aos assuntos, que cada um carregava. Bebemos o suficiente para humedecer as teorias e as propostas que a agenda pré-anunciou. Em jeito de balanço, ressaltou sobretudo o lamento e a queixa unânime acerca do espaço que os jornais reservam quase em pé de página, exceptuando este ou aquele jornal nos raros dias em que assim não acontece, mas procuramos compreendê-los, não deixando de pôr em causa os critérios usados para que tal limitação de espaço se verifique, ostracismos a que alguns se sentem votados, e sem mais papel à vista para maior acolhimento no futuro, que o mesmo é dizer, sem que a perspectiva se venha a alterar, de modo a dar lugar a novas "Cartas", de escritores-novos com matérias frescas, e dos acostumados autores sempre atentos. A sala da UNICEP, disponibilizada pelo seu magnífico Presidente Rui Vaz Pinto, a quem agradecemos mais uma vez a sua colaboração, regalou-nos no final com um Porto, de que ainda trago o seu sabor delicado, no céu da boca. A mesma boca de onde sairam as palavras e os comentários produzidos, naquele espaço de Cultura e de cadeiras bem juntinhas, como se querem os amigos, que assim se tornaram, identificados pelos e-mail´s com que assinam nas "Cartas", enviadas aos jornais diários e não diários. Um bem-haja a todos, e votos de que jamais a pena nos doa e os jornais nos abandone. O "Encontro" foi registado em foto, como não podia deixar de ser!
Joaquim A. Moura, Penafiel
As cartas para os jornais
Na democracia qual é a margem participativa para o cidadão comum e anónimo?
No caso português, o cidadão enquanto “homem político” esgota os seus créditos de intervenção, nos actos eleitorais.
A nossa democracia é exercida por grupos musculados de “eleitos”, detentores das chaves, dos códigos, das linguagens intrincadas, que lhes dão acesso a uma total liberdade de movimentações, em círculo fechado, altamente arregimentado, feito por eles e para eles, que omite o cidadão comum do convívio diário.
É uma democracia que se protege, desconfia da novidade, pelo que não se renova.
Vive de decretos-lei de leitura vária mas esotéricos para os leigos.
O referendo, interessante em questões que pedem decisões que ultrapassam os níveis de responsabilidade dos políticos, decisões que pedem consensos mais robustos e alargados, de todos nós, é uma prática pouco comum, desvalorizada, e sempre que vem à ordem do dia, remata-se a questão com o enunciado bacoco de que o povo não está preparado nem tem maturidade crítica e intelectual, para entender a questão que lhe é colocada, e ainda menos para dar uma opinião de valor acrescentado sobre a mesma.
Tem assim o cidadão poucas opções “à mão” de manifestar a sua vontade, contribuindo pessoalmente para a afinação dos equilíbrios e harmonias do sistema do regime.
Das instituições públicas oficiais e de Estado (ministérios, repartições, tribunais, escolas, estruturas de saúde, polícia e forças armadas, estruturas autárquicas…) aos serviços públicos ou privados (comunicações, energias, recursos naturais, supermercados…), para além do Livro de Reclamações (documento de que muito pouco se fala, e que não se divulga o hábito de o pedir, nem se faz uma pedagogia da sua importância e utilização correcta, até porque o desfecho de uma reclamação é muitas vezes desconhecido para o reclamante), o cidadão, esgotado o voto e a reclamação por escrito, tem à sua frente um enorme e desértico vazio, pouco podendo fazer para fazer ouvir a sua palavra.
Se a questão que pretende dirimir for do âmbito jurídico, e se tiver meios e recursos, entra automaticamente numa espiral de burocracia, impedimentos, bloqueios, prazos que expiram, convidando-o à desistência por cansaço, ou a um desfecho inútil, totalmente inesperado e por vezes patético.
Se a questão não for de litígio, mas de cidadania, naquilo que se pode considerar como linhas definidoras desse conceito: preocupação e atenção ao bem comum, equidade, igualdade de direitos e deveres, denúncia de imparidades, exigência de esclarecimento credível sobre actuação e boa prática dos agentes do poder (político e outros), correcto funcionamento das instituições, neste ponto, já nada se consegue, nem pagando.
Esgota-se a democracia naquilo que deveria ser a sua essência diferenciadora de outros regimes menos simpáticos: a desvalorização da palavra do cidadão, a sua desconsideração, uma verbalização que não chega ao receptor.
Neste panorama pouco estimulante, restam duas opções: a conversa de café, ou a carta para o jornal (agora também a participação nos fóruns de rádios e canais televisivos).
A conversa de café tem os efeitos que todos reconhecemos e numa ou outra oportunidade, todos a praticamos. O seu impacto é imediato, habitualmente o tom da mensagem é em queixume “português suave” e tem por receptor, um parceiro vizinho, ele também impotente, e que não vai dar seguimento à nossa solicitação.
Uma alternativa contemporânea são as redes sociais, que permitem alargar o espectro das conversas de café a um número quase ilimitado de indivíduos.
Esta opção tem a vantagem sobre o desabafo de pastelaria, no facto de os políticos com carteira profissional e as estruturas de propaganda e comunicação que os aconselham, olharem para este meio no sentido de tomarem o pulso da opinião pública. Não será igualmente de desconfiar que o usem para contaminar e exercer jogos de manipulação das massas.
A cabalística tessitura da informação-contrainformação!
Com isto, os mais irrequietos que não atingiram ainda o ponto da desistência, escrevem cartas para os jornais.
Agarram-se à última esperança de serem lidos. Mas escrever missivas para os jornais é um caminho estreito, de difícil acesso, sem regras que se conheçam, a que só se chega por casualidades fora do controlo pessoal.
Senão vejamos:
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Quantos meios de comunicação escrita reservam um espaço regular e decente para a publicação da opinião do leitor?
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Quais são os critérios de selecção e escolha dos textos? (qualidade técnica do escrito? Das ideias apresentadas? A actualidade do assunto? A identificação com a linha editorial? A identificação com o gosto pessoal de que recebe a mensagem e faz a escolha para publicação?
Estas interrogações levam-nos a novas interrogações:
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Se o leitor-escritor se apresenta como o mais fiel leitor do meio em causa, o meio em causa não deve ter isso em consideração?
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Porque não lhe dá mais espaço de participação?
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Nos poucos casos em que dá porque não aceita uma relação cristalina, franca, respondendo as suas demandas em vez de se remeter ao silêncio?
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Aceitar o leitor-escritor como um passivo do jornal, para preencher um espaço morto, considerando o remetente como potencial individuo insano, não é uma desconsideração grosseira?
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Porque são sempre os mesmos que veem publicados os seus textos? São os que escrevem melhor? Os que pensam e traduzem melhor os pensamentos?
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Os que estão mais à mão?
As vezes pergunto-me, se:
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Para ver uma opinião publicada o leitor-escritor deve confiar no texto que escreveu, independentemente da actualidade do tema e da agenda do momento, ou só tem sucesso de publicação, se o que envia coincide com a novidade efémera que se vai esgotar no dia seguinte?
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Porque razão, na eventual necessidade de um contacto esporádico, o leitor-escritor bate contra uma parede de silêncio? Ninguém responde, os rostos não se dão ao contacto!
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Responder não é o ingrediente elementar da comunicação e da polidez?
Depois destas considerações porventura enfadonhas, pode eventualmente parecer que a decisão mais sensata que o esforço-necessidade de escrever cartas para os jornais, é uma atitude inconsequente e frustrante, sem retorno que se veja, com riscos de catalogação demencial dos seus praticantes, ainda mais aos que persistem.
Pode ser que o seja, mas pode igualmente servir de “mote” para uma reflexão mais profunda e séria, sobre a eficácia actual dos meios de comunicação, a disponibilidade que devemos ter para abraçar a resiliência como arma de adaptação à novidade, o que nos leva a uma perspectiva que gostaria de enunciar e com ela terminar esta reflexão:
As portas que se abrem, infinitas e inimagináveis, em “canal aberto” dos novos meios de comunicação com alcance imediato e universal (falo da internet) e que podem ser a chave-mestra que vai determinar uma nova postura de cidadania, sem filtros nem cartões de acesso reservado a sócios, permitindo o exercício pleno do acto de cidadania.
Sopram ventos frescos para consolidar projectos como o nosso blogue “A voz da girafa”, talvez o caminho mais credível para que as vozes se ouçam, quando os jornais vivem a negação de não quererem perceber as razões do seu insucesso de vendas.
Luís Robalo, Lisboa