Daniel Chapo toma posse como Presidente de Moçambique com confrontos nas ruas
Líder da Frelimo subiu ao poder, mas os protestos violentos contra os resultados eleitorais continuam em Maputo. A Polícia tenta dispersar os manifestantes com tiros nas ruas. Há relatos de mortes.
É oficial. A presidente do Conselho Constitucional investiu Daniel Chapo como quinto Presidente da República de Moçambique, numa cerimónia que decorreu no centro de Maputo sob fortes medidas de segurança, com protestos marcados por confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes na rua. A leitura do termo de posse e o juramento foram realizados às 11h12 locais (menos duas horas em Lisboa) desta quarta-feira, 15 de Janeiro. A essa hora, os conflitos já tinham intensificado em Maputo.
A cerimónia, com a recepção dos símbolos do poder pelo Presidente cessante, Filipe Nyusi, pela presidente do Constitucional, Lúcia Ribeiro, e a investidura de Daniel Chapo como novo Presidente da República de Moçambique, decorreu na Praça da Independência, no centro de Maputo, precisamente onde também já se esperavam manifestações e protestos convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados das eleições de 9 de Outubro.
Essas manifestações têm sido violentas e já causaram 300 mortos e mais de 600 feridos a tiro, segundo organizações no terreno. A confirmar-se os relatos mais recentes das organizações não-governamentais em Moçambique, pelo menos oito pessoas morreram nas últimas horas contra a investidura de Daniel Chapo.
"Foi dessa forma que o Daniel Chapo, foi recebido em algumas artérias da Cidade de Maputo a caminho da Praça da Independência." pic.twitter.com/YT4E9mTdtx
— It'sDelacasa???? (@DeLaCaZa) January 15, 2025
Relatos de mais mortes em novos protestos
Enquanto Daniel Chapo subia oficialmente ao poder, a polícia moçambicana tenta dispersar, com tiros, os manifestantes em protesto que estão a incendiar pneus na estrada, à entrada do centro de Maputo, pouco antes da cerimónia de investidura. Na zona do Bairro Luís Cabral, grupos de jovens começaram a incendiar pneus cerca das 9h locais (menos duas horas em Lisboa), cortando a N4, que liga a Matola à entrada de Maputo, levando a polícia a fazer vários disparos na tentativa de os desmobilizar.
Wilker Dias, porta-voz da plataforma Decide, adiantou que pelo menos uma pessoa morreu esta manhã em Maputo durante os confrontos entre a polícia e os manifestantes contra a investidura de Daniel Chapo e a favor de Venâncio Mondlane. Há relatos de mais mortes noutros pontos de Moçambique nas últimas horas, mas ainda não foram confirmados.
Um jornalista terá sido detido enquanto cobria as manifestações em Moçambique, afirmou a organização não-governamental Centro de Democracia e Desenvolvimento, que também já contabiliza pelo menos quatro mortes registadas esta manhã. Um jovem de 12 anos que alegadamente foi abatido a tiro pela polícia no bairro Luís Cabral, um homem de 29 anos alvejado em Maquinaque e outras duas pessoas que morreram no mercado de Xiquelene.
Durante a madrugada, ainda antes dos protestos desta manhã, pelo menos outras quatro pessoas morreram enquanto participavam nas manifestações, indicou a mesma organização. Três dessas mortes terão acontecido junto a Machava Socimol, um parque na Matola, e outro no bairro da Matola-Gare.
As oito mortes ocorreram durante os confrontos entre manifestantes e a polícia moçambicana. Estão a circular nas redes sociais vídeos que mostram agentes da polícia a agredir cidadãos na rua. Num deles, uma mulher é violentamente atingida com um bastão e os braços de um agente.
À passagem da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), os manifestantes respondiam com arremesso de pedras e garrafas, enquanto a polícia tentativa retirar alguns dos pneus em chamas, ao mesmo tempo que grupos carregavam outros para a via, já bloqueada também com pedras, à semelhança do que tem acontecido nos protestos pós-eleitorais que se verificam desde 21 de Outubro no país. “Só o Venâncio é capaz de parar isto”, gritava um dos manifestantes, enquanto a polícia realizava novos disparos.
?? “Socorro, socorro, eu não fiz nada. Eu não fiz nada” grita um jovem enquanto é arrastado pela polícia. Três jovens mortos hoje na Machava. A cidade #Maputo está militarizada enquanto decorre a cerimónia de tomada de posse do presidente eleito Daniel Chapo. #Mozambique pic.twitter.com/AFTMpSRdaf
— Alexandre Nhampossa (@AllexandreMZ) January 15, 2025
Alguns manifestantes tentaram entrar na cerimónia de investidura para travar a tomada de posse, mas foram impedidos pelos agentes da polícia e pelos militares recrutados para o local, confirmou Wilker Dias. Em paralelo, estão a circular petições para impugnar a tomada de posse junto da União Africana e declarar o não-reconhecimento da presidência de Daniel Chapo.
Um forte aparato policial e militar foi montado no centro da capital, ainda antes da investidura de Daniel Chapo. Várias artérias próximas ao local da investidura encontram-se encerradas ao trânsito por militares desde as primeiras horas da manhã, que controlam os acessos ao perímetro, juntamente com a polícia. Também há elementos da Unidade de Intervenção Rápida da polícia posicionados por toda a cidade, que se encontra praticamente deserta, em dia de tolerância de ponto devido à cerimónia de investidura.
Chapo é "um projecto de esperança", diz Presidente cessante
No primeiro discurso enquanto Presidente de Moçambique, Daniel Chapo pediu um minuto de silêncio pelas vítimas das manifestações violentas dos últimos meses e por quem foi afectado pelos ciclones Chido e Dikeledi. "Que este silêncio nos lembre do peso da nossa responsabilidade, mas também da imensa força que temos enquanto nação", disse o novo chefe de Estado: "Moçambique é maior do que qualquer desafio, maior do que qualquer crise. Unidos somos capazes de superar os obstáculos e de transformar a nossa dor em prosperidade", cita o moçambicano Jornal Notícias.
Daniel Chapo afirmou que inicia agora "uma jornada que nos desafia a construir o futuro que sonhamos". "Dirigimo-nos a cada um dos moçambicanos, não como um Presidente distante, mas como um filho desta terra, onde sentimos, vivemos e partilhamos as nossas angústias", prosseguiu o novo Presidente moçambicano, prometendo "ajustar as velas do nosso barco, para que ele navegue com mais eficiência, menos desperdício e sobretudo com mais atenção e cuidado para cada moçambicano": "Ouvimos as vossas vozes, antes e durante as manifestações. E continuaremos a ouvir, mesmo em momentos de estabilidade."
O novo Presidente moçambicano adiantou algumas das reformas que pretende implementar no país. Daniel Chapo quer disponibilizar livros escolares nos formatos físico e digital, melhorar as condições de trabalho dos professores, investir no acesso aos cuidados de saúde, construir hospitais e criar brigadas móveis. Também afirmou que vai combater a corrupção, colocando um ponto final ao "'lambebotismo', inércia ou nepotismo".
As forças de defesa e de segurança também vão passar por um "reequipamento em infra-estruturas e material tecnológico para combater o terrorismo com formação especializada", especialmente em Cabo Delgado. Além disso, Daniel Chapo pretende reduzir a população prisional introduzindo a possibilidade de se utilizar pulseiras electrónicas nos casos de crimes leves. "Chega de corrupção, será criada uma unidade nacional para o combate à corrupção que será dirigida por pessoas íntegras", prometeu.
Algum tempo depois, Venâncio Mondlane publicou uma expressão no Facebook: "... a arte de cabular...", escreveu o candidato presidencial no Facebook. A mensagem surge como um comentário às reformas anunciadas por Daniel Chapo, uma vez que algumas das medidas apresentadas no discurso durante a cerimónia de tomada de posse já tinham sido mencionadas por Mondlane no passado.
Parte do dinheiro para colocar estas reformas em práticas virá de uma redução do tamanho do Governo, afirmou o novo Presidente de Moçambique, com a fusão de ministérios, a eliminação de algumas secretarias de Estado e o fim da figura do vice-presidente. A medida deverá permitir poupar 17 mil milhões meticais por ano, o equivalente a 258 milhões de euros.
Também o Presidente cessante, Filipe Nyusi, discursou durante a cerimónia, referindo-se à subida de Daniel Chapo ao poder como "uma nova página da história da democracia multipartidária" em Moçambique e insistindo que o acto eleitoral de Outubro "conferiu legitimidade não apenas a um novo dirigente, mas a um projecto de esperança dos moçambicanos".
"Será ele quem irá costurar as feridas, suturar os ressentimentos e ajudar a encontrar tudo o que nos une na nossa caminhada colectiva", cita a RTP: "Aquilo que nos une é certamente maior e mais urgente do que aquilo que nos pode dividir. Daniel Chapo é a pessoa certa para proceder a esse reencontro de ideias que, sendo diversas, servem o mesmo propósito, que é unir e fortalecer a nossa nação", acrescentou Filipe Nyusi.
Uma "missão" para "servir o povo"
Actual secretário-geral da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Daniel Chapo era governador da província de Inhambane quando, em Maio de 2024, foi escolhido pelo Comité Central para ser candidato do partido no poder à sucessão de Filipe Nyusi, que cumpriu dois mandatos como Presidente da República. A 23 de Dezembro, Daniel Chapo, de 48 anos, foi proclamado pelo Conselho Constitucional vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, nas eleições gerais de 9 de Outubro, que incluíram legislativas e para assembleias provinciais, que a Frelimo também venceu.
Formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, em 2000, Daniel Francisco Chapo nasceu em Inhaminga, província de Sofala, centro de Moçambique, a 6 de Janeiro de 1977, sendo por isso o primeiro Presidente da República nascido já depois da independência do país (1975).
Em entrevista exclusiva à Lusa a 4 de Outubro, cinco dias antes das eleições, Daniel Chapo afirmou que nunca tinha equacionado concorrer à Presidência, mas que recebeu essa “missão” para “servir o povo”. “Não, porque na Frelimo recebe-se missões. Nunca imaginei que seria um administrador distrital, mas depois como membro da Frelimo, fui chamado a esta missão, de dirigir o distrito de Nacala-Velha, em Nampula. Depois também recebi a missão de dirigir o distrito de Palma em Cabo Delgado, quando começaram os projectos de gás, e depois também governador de Inhambane”, explicou.
Os presidentes da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, são os únicos chefes de Estado presentes na cerimónia de hoje, com 2500 convidados. Além de dois estadistas, estão presentes três vice-presidentes, nomeadamente da Tanzânia, Maláui e Quénia, bem como os primeiros-ministros de Essuatíni e do Ruanda e oito ministros, incluindo o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel.
Aos jornalistas, o governante disse ter levado "uma mensagem de esperança" de Marcelo Rebelo de Sousa especialmente dirigida à juventude moçambicana: "Ele deixa naturalmente uma mensagem de grande calor, a condizer com o dia quente que temos hoje, e de grande esperança, em que Moçambique possa dar também ao seu povo condições de prosperidade cada vez maiores e melhores. Esta é uma nação tão jovem, em idade e porque tem tantos adolescentes e tantas crianças. Elas merecem um futuro e é importante assistir a estes momentos de construção de futuro."
Entretanto, numa mensagem publicada no site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa apelou à "construção da unidade e da estabilidade" em Moçambique sob a liderança de Daniel Chapo, "pelo desenvolvimento económico, pela justiça social, pela transparência, pela afirmação educativa e cultural, pela salvaguarda do pluralismo e pelo diálogo comunitário inclusivo". São "propósitos que acolhem legítimos anseios de variados sectores políticos e sociais moçambicanos, e que todos esperam que se possam concretizar na realidade", sublinhou o Presidente da República português.
Marcelo Rebelo de Sousa recordou as "relações fraternais" entre moçambicanos e portugueses; e os "muito sólidos laços de cooperação entre os dois Estados-irmãos". "Transmito o reforçado empenho do Presidente da República Portuguesa, do Estado português e do povo português em prosseguir e aprofundar essa cooperação, a todos os níveis, ao serviço do desenvolvimento sustentável, da justiça social, da plena realização do povo moçambicano e da relevante projecção de Moçambique no mundo", disse o chefe de Estado português, afirmando que tenciona estar em Moçambique em Junho para celebrar os 50 anos da independência do país.
A eleição de Daniel Chapo tem sido contestada nas ruas há três meses, com manifestantes pró-Mondlane – candidato que, segundo o Conselho Constitucional, obteve apenas 24% dos votos, mas que reclama vitória – em protestos a exigirem a "reposição da verdade eleitoral", com barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização.
com Lusa