O poder do lóbi da energia

Alega o lóbi da energia que a existência de uma renda e a obrigação do pagamento do IMI põem em causa a transição energética! Como?

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O leitor provavelmente já ouviu falar no lóbi da energia.

Hoje vamos mostrar-lhe até onde vai o poder desse lóbi.

A lei prevê que as entidades que exploram os prédios das energias renováveis (eólicas, fotovoltaicas, barragens) paguem uma renda e o IMI aos municípios onde se localizam.

A lei prevê que paguem, mas isso não significa que paguem! É aqui que entra o poder do lóbi da energia.

Vamos ver como têm sido eficazes.

No caso das barragens, já todos sabemos que conseguiram evitar o pagamento do IMI, por mais de 20 anos. Tiveram até o poder de obrigar a Autoridade Tributária a recuar quando, em 2017, houve uma primeira tentativa de cobrança do IMI.

E quanto à renda? Está previsto na lei – Decreto-Lei n.º 424/83 o pagamento de um adicional de renda relativa à produção. Mas não pagam, porque o legislador se tem “esquecido” deliberadamente de atualizar esse diploma, o que o torna inaplicável.

Em vez de cobrarem a renda a que têm direito, os municípios recebem uma “esmolaatravés de um protocolo celebrado em 2012, com a EDP.

No caso das eólicas, as empresas pagam a renda, mas a Autoridade Tributária tenta, desde 2013 e sem sucesso cobrar o IMI. Daí resulta um prejuízo de milhões de euros para os municípios, com igual benefício de milhões de euros para essas empresas.

No caso das fotovoltaicas os municípios recebem uma “compensaçãopaga pelo Fundo Ambiental leia-se paga pelos contribuintes e a Autoridade Tributária não tem conseguido cobrar o IMI devido.

Note-se que, no caso das fotovoltaicas, as empresas que exploram e beneficiam desses recursos naturais pagam zero.

Entre as empresas que beneficiam desta “isenção atípica” estão direta ou indiretamente as maiores empresas portuguesas, como a EDP, a Greenvolt - Energias Renováveis, S.A, a Movhera Hidroelétrica do Norte, a Iberdrola.

Vem tudo isto a propósito de uma iniciativa da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) que visa clarificar as regras de tributação dos prédios eólicos, fotovoltaicos e das barragens.

Essa proposta foi votada por unanimidade no seio da ANMP e posteriormente comunicada ao Governo e à Assembleia da Républica.

Assim que essa proposta foi do conhecimento público, João Galamba, ex-governante que recentemente e durante vários anos tutelou o setor da energia, declarou no X (ex-Twitter): “Penalizar as renováveis. É mesmo disso que o país precisa neste momento: penalizar o nosso principal fator de competitividade. Mais absurdo que isto não há!”

Penalizar, quando os municípios querem que as empresas que exploram os seus recursos naturais paguem (apenas) o que lhes é devido por lei?

Penalizar, quando no caso do IMI estamos a falar do pagamento de uma taxa de apenas 0,3% sobre o valor patrimonial tributário desses prédios?

Mas será que a EDP, a Greenvolt - Energias Renováveis S.A, a Movhera Hidroelétrica do Norte, a Iberdrola não têm condições financeiras para pagar uma taxa de 0,3% e a renda legalmente devida?

O que as distingue de todas as outras empresas e de todos os portugueses que, sendo proprietária/os de imóveis, pagam o IMI?

Alega também o lóbi da energia que a existência de uma renda e a obrigação do pagamento do IMI põem em causa a transição energética!

Como?

A existência da renda, em simultâneo com o pagamento do imposto municipal, está prevista na lei desde o início do processo de eletrificação do país, iniciado nos anos 40. Isso não foi obstáculo à eletrificação do país, como agora também não inviabiliza a transição energética.

E, já agora, quando a Hidroelétrica do Norte, com o pretexto de que já pagava a renda, se quis eximir do pagamento do imposto municipal, o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no processo n.º 59316, em que era recorrente a Hidroelétrica do Douro SARL e recorrido o município de Mogadouro, esclareceu que as concessionárias tinham de pagar a renda e o imposto municipal, uma vez que tinham finalidades diferentes.

Se sempre foi assim, porque se estranha agora?

Verdadeiramente incompreensível e inaceitável é o poder do lóbi da energia que conseguiu evitar durante anos o pagamento das rendas e do IMI e que, ainda hoje, no caso das fotovoltaicas, põe os contribuintes a pagar a “compensação devida aos municípios, eximindo dessa responsabilidade as empresas do setor.

Os portugueses estão atentos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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