Cartas ao director
As velhas feridas no novo ano
Quem trata do corpo humano descobriu que suturar feridas infectadas não resolvia o problema; mais importante do que fechar a ferida feia, era combater a bactéria invisível que ia condicionar todo o futuro do tratamento.
Diferentemente, os políticos, que deviam tratar o corpo social, continuam a usar as mesmas receitas milenares, usando as guerras para tentar resolver os problemas, invocando as mesmas razões do costume ou inventando os mesmos estratagemas que atravessam a história da humanidade. O que é estranho é que as populações que agora têm acesso a variadas fontes de informação continuem a acreditar nas narrativas falsificadas que lhes são impingidas.
E assim chegamos a 2025 com várias guerras em curso, que ocupam largo espaço mediático, mas em que as causas que lhes deram origem são desconhecidas da maioria; quem conhece o morticínio que aconteceu há menos de 80 anos, no início da ocupação pelos judeus do território palestiniano? Quem ouviu falar da abolição, em 2014, da lei Kivalov-Kolesnichenko, que reconhecia o direito de usar a língua materna a grande parte da população do Leste da Ucrânia?
Tornou-se tabu falar nas causas para só falar das consequências, e assim continuamos a acreditar que as guerras resolvem os problemas e que podemos suturar as feridas infectadas, pondo-lhe em cima toneladas de material bélico, em que gastamos fortunas, causando mais sofrimento e comprometendo o nosso futuro.
Oxalá me engane, mas parece que um ano novo não vai trazer uma vida nova: há demasiada gente que não tem coragem suficiente para ser honesta.
José Cavalheiro, Matosinhos
Acabou a carreira 28
Acabaram com a carreira dos eléctricos 28 (em Lisboa). Para grande prejuízo dos moradores da Graça, entre outros. Subir a pé aquela colina não é para todos. Há cada vez menos moradores nativos, é verdade, mas os que ainda restam são em grande parte pessoas idosas (que a lei não permitiu que fossem postos a andar pelo AL) e esses vêem-se atrapalhados sem a carreira 28. Têm passe grátis, é certo, não têm é onde o usar. Acabou a carreira, mas, em contrapartida, o 28 é hoje um transporte turístico muito procurado. Basta ver as filas de (não dezenas, mas centenas) de turistas à espera dele nas estações terminais. Os nativos que só saem do bairro por terem coisas para tratar na cidade não têm tempo para tal. E lá se resignam à penitência. Basta ler os guias turísticos: todos os visitantes de Lisboa são aconselhados a não falhar a experiência única de uma viagem no 28! (mesmo à cunha, mesmo aos baldões, mesmo, se calhar, com carteiristas). Nós, que não estamos para experiências únicas, preferíamos ter um transporte.
Pergunta-se: não haverá maneira de satisfazer os turistas sem privar os moradores do acesso a um serviço público? Haver, há, mas era preciso vontade. Dou aqui duas possibilidades, sem necessidade de nenhuma comissão para estudar o problema: 1. dar prioridade na entrada aos portadores de um passe válido da Carris. E não me venham com a treta da discriminação: é tão discriminatório como haver bilhetes de 1.ª e 2.ª classe nos comboios; 2. outra solução: introduzir no percurso (ou até só parte dele) aqueles autocarros pequeninos, jeitosinhos (como o 34). Os turistas não estão interessados em autocarros (que não são experiência única, não tem carteiristas e ainda por cima só têm lugares sentados, sem os sacolejos tão típicos.) Deixariam isso para os nativos, que só querem um transporte.
Como eu digo: soluções há, mas quem quer saber disso entre quem decide? E quem decide? A CML? A Carris? O provedor dos indignados? Não o director do PÚBLICO, certamente…
José Lima, Lisboa
Adília Lopes
O poeta Carlos Queiroz escreveu: “Dos versos que eu li/ (Bem mais de um milhão)/ Tão poucos senti/ No meu coração!” Dos teus versos, querida amiga Adília, recordar-me-ei eternamente de várias dezenas, com comovente nitidez e gratidão. Mas não posso deixar de destacar os dois versos em Pardais, onde corriges o gigante Cesário. Ele escreveu: “Se eu não morresse, nunca! E eternamente/ Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!” Tu, Adília, ter-lhe-ás dito: amigo Cesário, porquê tanto egocentrismo e tanta vaidade? Serias ainda maior se tivesses escrito: “Se nós não morrêssemos nunca e eternamente/ buscássemos e conseguíssemos a alegria aqui.”
Tu, poeta Adília, só aparentemente viveste sozinha, pois conseguiste o milagre (sim, milagre) de passar do “eu” para o “nós”. Um eterno obrigado.
José Cymbron, Lisboa