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A ceia ausente: o Natal dos imigrantes em Portugal
Ser imigrante não é uma tarefa fácil. Muitas vezes, essa escolha é motivada por necessidades em busca de uma vida melhor.
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Na noite de 24 de dezembro, explorei as áreas centrais e turísticas do Porto e de Vila Nova de Gaia. Entre 19h e 20h30, dirigi e caminhei com meus cães, Paco José e Lua Maria, pela baixa do Porto, Foz, Avenida dos Aliados e, em seguida, atravessei a ponte, percorrendo a margem do rio Douro em Gaia.
Fiquei surpresa ao constatar que grande parte dos estabelecimentos estava fechada. Os poucos locais abertos, onde os turistas podiam adquirir água e lanches, eram, não por acaso, geridos por imigrantes. Além disso, cerca de 90% do público presente era composto por imigrantes. Essa experiência proporcionou uma visão autêntica do meu campo de pesquisa.
Meus cães atraíam a atenção, fazendo com que muitos se aproximassem para acariciá-los e tirar fotos. Nesse ambiente, encontrei meu lugar: sou uma imigrante, assim como todos os que estavam ali. A conexão entre os presentes era marcada pela ausência da ceia de Natal, ou consoada, como é conhecida em Portugal. Para aqueles que já estão há algum tempo em Portugal, a nostalgia e a saudade eram palpáveis; para os recém-chegados, as luzes natalinas e as roupas quentes aqueciam, em parte, seus corações.
Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos apresenta dados reveladores e, como qualquer pesquisa de qualidade, levanta novas questões. Em 2023, a população imigrante em Portugal atingiu 1.044.606 cidadãos com autorização de residência, representando cerca de 10% da população total do país. Desde 2015, esse número tem crescido significativamente, o que indica que Portugal deve se preparar para um aumento contínuo do fluxo migratório.
Entretanto, a pesquisa aponta uma grande desinformação sobre a realidade dos imigrantes em Portugal, evidenciando a necessidade urgente de uma campanha de comunicação e conscientização que desmistifique preconceitos históricos e promova uma compreensão mais ampla da nova realidade portuguesa e global.
Uma das questões abordadas no estudo foi a aceitação da imigração entre os diferentes grupos de imigrantes. Em relação aos brasileiros:
> 18,3% acreditam que o número de imigrantes brasileiros deveria diminuir muito.
> 32,7% acham que deveria diminuir.
> 34,7% preferem que se mantenha.
> 7,9% desejam um aumento.
> 3,8% querem um aumento significativo.
> 2,5% não souberam responder.
A opção "manter-se" foi a mais comum, sugerindo que o público pesquisado hesitou em se comprometer. Outra abordagem é calcular a média proporcional do valor “manter-se” em relação aos indicadores positivos e negativos.
> A soma de diminuir muito, diminuir e manter-se com tendência negativa resulta em: 18,3% + 32,7% + 17,69% = 68,67%
> A soma de aumentar muito, aumentar e manter-se com tendência positiva é: 3,8% + 7,9% + 12,92% = 31,31%
Dessa forma, 68,67% dos entrevistados expressam o desejo de diminuir ou reduzir significativamente a presença dos imigrantes brasileiros, enquanto 31,31% desejam um aumento. Esses dados revelam uma clara tendência de rejeição que não pode ser ignorada.
Embora não analise cada questão de forma isolada, é fundamental refletir sobre os aspectos gerais que sustentam este artigo. Se possível, realizaria um estudo qualitativo aprofundado sobre as questões apresentadas pela pesquisa. Seria prudente que o Ministério da Administração Interna contratasse uma equipe de pesquisa qualitativa e analistas políticos para examinar a imigração e encontrar maneiras de superar obstáculos, promovendo a conscientização tanto entre portugueses quanto de imigrantes.
Algumas perguntas surgem: o que os portugueses esperam dos imigrantes, especialmente dos brasileiros? Qual é a percepção deles sobre os imigrantes em geral? E qual o papel do imigrante na sociedade? Um aumento na quantidade de imigrantes traz benefícios?
Indicadores gerais da pesquisa alinham-se com uma percepção negativa sobre a imigração em Portugal. A maioria (68%) considera que os imigrantes são cruciais para a economia do país; 67% acreditam que aumentam a criminalidade; e 52% afirmam que os imigrantes não contribuem mais do que trabalham. Contudo, permanece escondida a verdadeira e urgente necessidade da presença de imigrantes.
Seja um motoboy entregando comida, uma faxineira ou passadeira de roupas, um professor de ginástica cobrindo aulas de professores fixos nos finais de semana, ou os trabalhadores nas vinhas e cozinhas. Os inúmeros serviços de transporte são frequentemente realizados por imigrantes. Esses tipos de trabalho têm uma presença mínima de portugueses, contando com imigrantes como mão de obra disponível.
Ser imigrante não é uma tarefa fácil. Muitas vezes, essa escolha é motivada por necessidades em busca de uma vida melhor. O olhar da maioria das pessoas que estavam no centro do Porto, na noite de Natal, refletia saudade e esperança. Nostalgia por estar longe de casa. É doloroso perceber, por meio desse estudo, que muitos portugueses, em essência, não nos desejam aqui.
Desejam-nos apenas para sustentar a Segurança Social, limpar seus lares, entregar seus lanches e documentos, e preencher vagas de trabalho que não são mais atrativas para os portugueses. Esse sentimento reflete uma tendência global observada em países como França, Itália, Alemanha, Canadá e Estados Unidos.
A propaganda, que poderia servir como um meio de conscientização, frequentemente distorce a realidade. Quais anúncios realmente refletem a situação atual? Em Portugal, raramente se vê uma marca associando-se aos imigrantes. Somos invisíveis para os departamentos de marketing e para as agências de publicidade.
É urgente criar políticas de comunicação social que reestruturem uma sociedade para a inclusão e empatia entre portugueses e não portugueses, ao invés de caminharmos em direção à intolerância, que avança vertiginosamente. Não há outra alternativa senão a conscientização.
Contudo, um comercial ou uma matéria de jornal informando que a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) emitiu 3 mil certificados de residência não é suficiente para promover o conhecimento sobre o processo de imigração. Na verdade, essa comunicação pode ser prejudicial, gerando expectativas nos imigrantes e repulsa nos portugueses.
No discurso do primeiro-ministro, Luís Montenegro, em 25 de dezembro, a fala sobre imigração foi evasiva. Ele evitou se comprometer e não se dirigiu nem aos portugueses nem aos imigrantes. Embora suas palavras buscassem transmitir uma imagem de preocupação e inclusão, elas soaram vazias diante das ações policiais no Martim Moniz, Lisboa.
Por outro lado, as palavras do presidente Marcelo Rebelo de Sousa foram mais acolhedoras. Sua mensagem de Natal foi exatamente isso: calorosa e reconfortante. Quem a leu sentiu-se mais próximo de Portugal e dos portugueses. Isso trouxe um alívio.
Esta pesquisa é alarmante. Se não forem adotadas medidas imediatas, o futuro do relacionamento entre imigrantes e portugueses será marcado pelo distanciamento, aversão e intolerância. A imigração é necessária e benéfica para todos. Mas também é temida, mal interpretada e estigmatizada.
A responsabilidade recai sobre os governantes que ignoram a importância de uma comunicação eficaz e da integração entre portugueses e imigrantes. Para o próximo Natal, meu desejo é que os imigrantes deixem de ser os excluídos das histórias e passem a fazer parte das memórias.