O Alto Douro Vinhateiro merece mais do que um brinde

Nos 23 anos da inscrição do ADV na Lista do Património Universal da UNESCO, impõe-se exigir ao Estado a concretização da modernização da Linha Do Douro e políticas pró-ativas de equidade territorial.

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O Alto Douro Vinhateiro (ADV) paisagem cultural “evolutiva e viva” classificada pela UNESCO desde 14 de dezembro de 2001 é uma obra de rara beleza, construída ao longo de séculos, fruto da interação virtuosa do ser humano com a natureza. O valor universal e excecional da paisagem tem contrastado com a dureza da vida das pessoas que, ao longo de sucessivas gerações, cuidaram em condições difíceis uma paisagem que muito orgulha os portugueses.

Na paisagem mantêm-se vestígios históricos de uma ocupação desde tempos milenares no Vale do Côa, da reconquista cristã e da origem da nacionalidade, até à fixação de comunidades religiosas na Idade Média — destacando-se a Ordem de Cister, que fundou algumas das mais notáveis quintas do Douro, cuja principal atividade económica sempre foi o vinho.

A área classificada do ADV compreende um décimo da Região Demarcada do Douro, a mais antiga região vitícola regulamentada do mundo, fundada em 1756, que se estende ao longo das encostas do rio Douro navegável, com um trajeto acompanhado por uma linha de caminho-de-ferro de beleza única, cujo plano de modernização tem sido sucessivamente adiado.

Passados cinco anos da petição apresentada à Assembleia da República, que mereceu o empenho da Liga dos Amigos do Douro Património Mundial e foi objeto de ampla mobilização da sociedade civil, pouco se fez e pouco se sabe sobre este ambicionado projeto ferroviário estruturante para a Região. Mais um dos casos em que o interior é votado ao esquecimento, alimentam o sentimento de descrença no papel do Estado e no compromisso com o desenvolvimento dos territórios do interior.

A inscrição do Douro na Lista do Património Mundial abriu oportunidades de desenvolvimento expressas no estudo promovido por investigadores da UTAD sobre o valor económico da ligação à rede do Património Mundial, publicado pela Comissão Nacional da UNESCO. O relatório comprova os benefícios associados à classificação, que são claramente positivos e também benéficos para as regiões envolventes. Traduz-se, assim, numa economia em rede com epicentro no Porto e que se estende até Salamanca, envolvendo diversos patrimónios da UNESCO, em que a Linha do Douro pode potenciar uma nova centralidade e diminuir o histórico encravamento geográfico da região.

Perante uma região anémica, que fica com pouco do valor que gera na hidroenergia, no vinho e no turismo, cujas políticas não vão além dos eternos investimentos em infraestruturas, como representante da sociedade civil, a Liga dos Amigos do Douro Património Mundial mantém o firme compromisso de não deixar votar ao esquecimento a preservação, mas também a valorização deste bem património da humanidade. Neste compromisso permanece viva a funcionalidade efetiva da linha de caminho-de-ferro do Porto a Barca d'Alva e consequente ligação com Espanha.

Ao fim de 23 anos de classificação universal, celebrar o Douro significa chamar a atenção para os desafios sociais e económicos da região, face à complexidade e incerteza do momento que vivemos, merecendo especial relevo o esvaziamento e o envelhecimento da população duriense, as alterações climáticas e suas consequências na paisagem e a crise que se assiste no setor do vinho a principal atividade económica deste território. Tendo em consideração estas ameaças, mas também as oportunidades do território, numa perspetiva de orientação e investimentos públicos, qual a visão e a estratégia para o território?

Hoje, o Douro está no mapa mundial dos vinhos de excelência, associados a um património de rara beleza, contudo, as mudanças de hábitos de consumo, dos mais jovens em particular, traduzem-se na diminuição mundial de vendas, o que constitui um dos principais desafios do sector. A complexidade da envolvente exige que o vinho, enquanto principal ativo do Douro, deve estar associado a uma nova carteira de atividades económicas e de experiências culturais e turísticas, inovadoras e diferenciadoras, com efeitos evidentes noutras dimensões do desenvolvimento sustentável do território.

Portugal não pode continuar a colocar em segundo plano uma realidade clara, à vista de todos a acentuada litoralização do país. Conceitos como economias de escala e de aglomeração, ou mesmo de custos de transação, integram alguma da retórica justificativa dos principais investimentos para as próximas décadas se concentrarem numa mesma área geográfica. Ao mesmo tempo, ideias como a discriminação fiscal positiva proposta pelo Movimento do Interior ou propostas sensatas como o programa para a recuperação de áreas e sectores deprimidos, que Daniel Bessa desenhou no início deste século, nunca se tornaram realidade.

Numa altura em que se comemora mais um ano da inscrição do ADV na Lista do Património Universal da UNESCO, o Douro merecia muito mais que um simples brinde, devendo o Estado estar à altura das suas responsabilidades, cumprindo princípios de equidade territorial, de modo a que territórios fora do litoral não sejam cada vez mais territórios de baixa densidade. O Douro merecia ser um laboratório de políticas públicas pró-ativas.

A Liga dos Amigos do Douro do Património Mundial está disponível para participar na definição destas políticas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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