Educação
O ensino secundário na Finlândia vale um curso superior em Portugal?
Todas as semanas, os temas que interessam aos professores, pelas jornalistas Andreia Sanches e Cristiana Faria Moreira.
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Caro leitor, cara leitora
Ficámos a conhecer esta semana as imensas dificuldades que os adultos portugueses têm em domínios como a literacia, numeracia e resolução de problemas: cerca de 40% só conseguem compreender textos muito simples e resolver aritmética básica no seu dia-a-dia.
Era, até agora, uma realidade desconhecida, já que foi a primeira vez que Portugal participou no “Inquérito às Competências dos Adultos de 2023”, um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que analisa as competências da população entre os 16 e os 65 anos.
Portugal sai-se bastante mal no retrato, estando na cauda dos 31 países analisados, mas há uma pequena nota no resumo nacional do estudo que causa alguma estupefacção: os adultos portugueses com ensino superior obtiveram resultados inferiores aos dos adultos com ensino secundário na Finlândia. Na literacia, por exemplo, os portugueses com ensino superior conseguem uma pontuação de 272, ao passo que os finlandeses com o ensino secundário alcançam 288 pontos. O mesmo acontece nos outros domínios analisados.
O que explica esta diferença? Está o sistema de ensino a falhar de forma tão desastrosa? As características do mercado de trabalho têm aqui alguma influência? Foram algumas das perguntas que coloquei ao investigador João Queirós, um dos coordenadores nacionais deste estudo, que me disse que não há uma explicação nem uma resposta fácil para esta diferença abissal nos resultados.
É, antes, “uma equação difícil e longa”, que, na Finlândia, tem produzido uma espécie de “círculo virtuoso de desenvolvimento de competências”.
“Este volume de competências não é só um produto do sistema de ensino. Há países que encontraram meios de conferir qualidade aos seus sistemas educativos e de formação de adultos, criando condições para haver espaços de desenvolvimento profissional, associativo, comunitário que são enriquecedores de competências ao ponto de mesmo as pessoas com ensino secundário terem um alto desempenho”, enquadrou o professor da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto.
Por cá, há aspectos da nossa economia, sociedade, cultura e educação que estão “insuficientemente desenvolvidos” e que contribuem para estes maus resultados: “Uma economia que é baseada em serviços pouco qualificados, numa indústria pouco qualificada, pouco tecnológica, com salários baixos, não está a desenvolver as competências dos adultos”.
Em Portugal, 41% da população entre os 16 e os 65 anos diz que se sente “desajustada” no seu local de trabalho por não trabalhar na área para a qual estudou. Há quem considere ter excesso de qualificações para o trabalho que desempenha e quem considere que ficam aquém do que lhes é exigido, o que acaba por ser pouco motivador para o desenvolvimento de mais competências.
Portugal não foi caso único: no domínio da literacia, por exemplo, a população com ensino superior da Irlanda, Singapura, Croácia, Itália ou Espanha também se saiu pior do que os adultos finlandeses com o secundário. E isso mereceu o alerta de Claudia Tamassia, da equipa do Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC) da OCDE na sessão de apresentação dos resultados: “Precisamos de entender o que está a acontecer em alguns desses países, onde os alunos estão a adquirir uma capacitação sem as competências necessárias.”
Apesar de não ser a única explicação, a escola continua a ser determinante, assim como o contexto familiar. “Estar na escola por mais tempo significa ter mais competências. Os únicos adultos portugueses que se comparam minimamente com a média da OCDE são os que têm ensino superior ou que têm pais com ensino superior. Passar muitos anos pela escola é um preditor claro de maior proficiência. Isso significa que alguma coisa a escola faz”, diz João Queirós.
Pode perguntar-se se está a fazer o que devia. Em Portugal, os adultos mais jovens apresentam um melhor desempenho face aos mais velhos, o que, para o secretário de Estado Adjunto e da Educação, Alexandre Homem Cristo, pode ser explicado pelo “histórico atraso” nas qualificações da população adulta. Ainda assim, as pontuações que estes jovens alcançam ficam abaixo dos seus pares na média da OCDE. “Tínhamos a responsabilidade de que [estes resultados] fossem melhores do que o que são”, considerou o governante.
Para o investigador João Queirós, estas lacunas que os adultos portugueses apresentam são resultado de alguma “inconsistência” na definição de políticas ao longo dos anos. “É importante criar instituições para poderem concretizar medidas de política, financiá-las de forma consistente e depois prolongá-las, avaliá-las, melhorá-las e não simplesmente deitar abaixo e começar tudo de novo a cada ciclo político. A consistência de políticas e das instituições é uma questão central. E o que se aprende ao observar esses países como a Finlândia é que decidiram há muito tempo atacar o problema e mantiveram-se firmes nesse propósito.”
Falta perceber o que, por cá, se fará para atacar o problema. Mais não seja porque esta é uma questão que vai muito além de nos sairmos melhor ou pior numa avaliação internacional; sem algumas destas competências, muitos cidadãos não conseguem fazer uso pleno dos seus direitos.
Até quinta-feira!
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