A pornografia está a destruir a nossa sexualidade
Está provado cientificamente que a visualização de pornografia está directamente relacionada com dificuldades de erecção e com dificuldades em atingir o orgasmo.
Tenho-me interessado por aprender mais sobre este tema desde há algum tempo, é um assunto médico-científico, apesar de estar muito longe da minha base de conhecimentos médicos, mas há tanto estudo sobre o assunto, e tão pouca discussão na nossa sociedade, que me parece de extrema importância partilhar a revisão científica que fiz sobre este tema.
É redundante e implícito dizer que a nossa sexualidade é algo imensamente importante na nossa saúde e bem-estar, e tudo o que possamos aprender para melhorar a nossa relação com o sexo é melhorar a nossa saúde. Importante que fique bem claro, que não há aqui qualquer espécie de moralismo, e também não vou aprofundar dois temas relacionados, que são importantes, mas não objecto desta minha reflexão. 1) a ética da indústria pornográfica: 2) o facto de a pornografia ser quase totalmente inclinada para o prazer masculino, e muito menos para o feminino.
Este tema tem muitos ângulos de aproximação. O impacto negativo que a pornografia pode ter nas relações, o facto de a dependência de pornografia ser algo potencialmente tão grave como a dependência de drogas, redes sociais, ao jogo, etc., e aquilo me parece mais interessante de explorar, porque nos “toca a todos”, que é o facto de a visualização de pornografia, mesmo que numa “dose” saudável, prejudicar a performance sexual, em particular a do homem, que está mais estudado, por consumir mais pornografia do que a mulher.
Quantas pessoas vêem pornografia? Um estudo recente nos EUA concluiu que 57% das pessoas já viram alguma vez, 27% viu no mês anterior. Os homens consomem quatro vezes mais pornografia do que as mulheres e, na faixa etária entre os 30-49 anos, 57% dos homens viram pornografia no último mês e 42% dos homens na última semana. Este estudo diz ainda que 74% dos homens que usaram pornografia nas últimas 24 horas admitiram, em autoanálise, sentir uma grande insegurança nessa semana.
O recurso à pornografia pode ser grave, a ponto de destruir uma pessoa e toda a sua personalidade, tal como as drogas mais viciantes; ou pode ser simplesmente muito mau para a sexualidade de todos nós; ou, para alguns, na dose certa, pode até ser bom.
Apesar de que tudo o que estou aqui a escrever ser baseado no que li e ouvi, vindo de cientistas ligados à área, também é importante dizer que é uma área, tal como a nutrição, em que, por mais que se estude, não é fácil isolar um elemento e tirar conclusões científicas baseadas na evidência (termo médico-científico para certeza).
Mas então porque é que a visualização de pornografia, mesmo sem ser uma dependência, está a destruir a nossa sexualidade? A partir do momento em que treinamos o nosso cérebro a aprender que aquilo é que é o sexo, e aquilo é que liberta dopamina e testosterona/estrogénio, nós deixamos de querer ter relações sexuais com uma pessoa, porque passa a ser pior e menos libertador dos neurotransmissores de prazer. E isto é tão mais verdade quanto mais precoce for o início do consumo de pornografia, que por vezes começa mesmo antes da puberdade e piora com o aumento do consumo. Há estudos muito sólidos que comprovam, através da visualização do desenvolvimento do cérebro em ressonâncias magnéticas, que a pornografia é altamente nociva, quando consumida logo na adolescência, que é quando se começa quase sempre. Não sei como um pai ou uma mãe conseguirão explicar isto a um filho/a adolescente, mas esforcem-se, porque é muito importante.
Há outro fenómeno interessante que é o do nosso cérebro querer sempre mais; mais intenso, mais forte, mais impactante. Isto é verdade para quem gosta de ver vídeos de gatinhos queridos, vai querer sempre ver vídeos de gatinhos cada vez mais queridos, tal como é, para com gosta de ver MMA (Mixed Martial Arts) em que ver um KO já não chega, já só quer ver é KO cada vez mais espetaculares. E com a pornografia é a mesma coisa: para quem nunca viu, basta ver um casal numa performance “normal” para ficar muito excitado, e depois vai querer ver, cada vez mais, sexo mais intenso, mais radical, mais extremo, às vezes até mais perverso, com mais pessoas, e por aí fora… O nosso cérebro torna-se cada vez menos excitável.
Posteriormente, ocorre aquilo que os cientistas verificaram, quer por estudos, quer por algumas análises empíricas do comportamento humano – e, mais uma vez, isto é mais virado para o homem, mas verdade para ambos os sexos: é que, a partir do momento em que o nosso cérebro só se excita com imagens sexuais de grande intensidade, irreverência ou quase perversão, não vai querer praticar sexo com a sua mulher de uma forma mais próxima do que são as expectativas dela, ou do normal ou normativo para o casal, com toda a idiossincrasia e heterogeneidade que isso implica. E, por isso, está provado cientificamente que a visualização de pornografia está directamente relacionada com dificuldades de erecção e com dificuldades em atingir o orgasmo, que são dois problemas biologicamente diferentes, ambos graves.
Portanto, a pornografia causa disfunção sexual, a nível físico, neurocientífico e psicológico.
Também está provado que pessoas que assumem que a sua vida não tem sentido consomem mais pornografia, o que leva a sentimentos de vergonha e culpa – e depois entramos no mesmo loop de todas as dependências. Sabemos que faz mal, mas parece que só encontramos satisfação, mesmo que momentânea, quando o fazemos.
Como em muitas outras coisas que fazem mal à saúde – álcool, açúcar, carnes vermelhas, e tantas outras –, a decisão não precisa de ser tudo ou nada. As pessoas são todas diferentes e podem encontrar um equilíbrio psicologicamente saudável, sabendo que estão a fazer mal a si próprias, mas com pequenas doses, de coisas que sabemos que nos fazem mal.
E longe de mim ser apologista de que se acabe com a pornografia. Desde que seja eticamente respeitadora de quem nela participa, não sou nada contra a sua existência, mas, como tudo na vida, devemos ter decisões informadas e sendo o sexo extremamente importante nas nossas vidas, é também extremamente importante que se aprenda que há uma base científica muito sólida que nos diz que a pornografia está a destruir a nossa sexualidade.
Sem julgamentos, evitem a pornografia, pela vossa saúde física, mental e sexual, que é mesmo muito importante para encontrarmos a nossa paz interior que, para mim, é a melhor definição de felicidade.
As crónicas de Gustavo Carona são a favor dos Médicos sem Fronteiras