Barragem de Alportel, Tavira: há soluções simplórias para problemas complexos?
É pena que os governantes tenham esquecido que a montante de qualquer barragem tem de haver uma sólida gestão do território, baseada na conservação do solo e de uma vegetação que não arda facilmente.
Como quem tira um coelho da cartola, o Governo saiu-se com uma nova promessa para o Algarve. Uma barragem na ribeira de Alportel, a montante de Tavira. A promessa chegou à boleia de uma cheia iminente que poderia ter deixado a cidade algarvia debaixo de água. Vieram logo à memória a inundação de Dezembro de 1989, que muitos estragos deixou em Tavira, e os episódios recentes de Valencia, Espanha.
Mas a promessa poderá trazer água no bico. E não é água da chuva, é de outra! É que com esta promessa mais recente, justificada não para resolver os problemas crónicos de escassez de água na região, mas para amortecer os impactos hidrológicos e sócio-económicos de episódios chuvosos extremamente intensos, fica esquecida outra promessa antiga: a da ribeira da Foupana. Os que tão convictamente defendiam a urgente construção de uma barragem na ribeira da Foupana, que resolveria miraculosamente a falta de água no Sotavento algarvio, mas que tinham já percebido que nenhum governante estava disponível para enterrar milhões num disparate como aquele, vão ter agora uma bela moeda de troca: “Esqueçam lá a Foupana, tomem lá Alportel”.
O Algarve tem problemas muito complexos de ordenamento do território. A escassez de água, o abandono agro-florestal e demográfico do interior, o custo da habitação no litoral, a desgraça da rede viária e ferroviária, o baixo nível dos serviços públicos no ensino e na saúde, etc., etc...
Para esquecer todos esses problemas complexos, de difícil e morosa resolução ou pelo menos atenuação, surge agora uma guloseima: é a barragem na ribeira de Alportel! Por agora basta uma pergunta: algum dos governantes viu imagens da água densamente castanha da ribeira à passagem por Tavira, neste recente episódio chuvoso? Quantas toneladas e toneladas de terra transportavam? Se ficassem retidas numa barragem, quantos episódios destes seriam necessários para atafulhar a albufeira de sedimentos, tornando-a inútil para reter água, atenuar o caudal de ribeiras esporadicamente muito caudalosas e fornecer algum líquido precioso adicional para satisfazer as necessidades permanentes da região, dos seus habitantes e dos turistas? É uma pena que os governantes tenham esquecido que a montante de qualquer barragem tem de haver uma sólida gestão do território, baseada na conservação do solo e de uma vegetação que não arda facilmente, num qualquer quente dia de Verão! Na verdade, infelizmente, não há soluções simplórias para problemas complexos!
E Tavira, se esta promessa alguma vez se concretizar, arrisca-se a ganhar mais um mono inútil, como se não lhe bastasse já, no centro da cidade, um outro mono inútil, espelho da gestão municipal e regional: o Cineteatro Municipal António Pinheiro, conhecido pelos seus três “F”: Fantástico, (muito) Feio e (sempre) Fechado. No reverso da medalha, Tavira arrisca-se a perder mais uma oportunidade. A gestão sensata do território uma vez mais vai ser desprezada...
Uma última nota sobre barragens, represas e açudes na região algarvia: é curioso observar como numa maré andam tantos tão animados a defender a eliminação de pequenos açudes e represas que existem nas ribeiras, justificando a iniciativa como uma medida indispensável para a salvaguarda da biodiversidade, e noutra maré andam felizes a construir barragens. É o espelho do desnorte nas políticas de ordenamento do território que grassam pelo Algarve, aquela região que pela mão do turismo de massas muito contribui para o PIB nacional, mas pouco beneficia das muitas receitas ali criadas.
19 de Novembro de 2024