A barragem do Pisão, já designada o empreendimento “Alqueva” do Norte alentejano, mereceu a apreciação negativa de sete organizações não governamentais de ambiente (ONGA) constituída sob a designação Coligação C7 – a ANP
WWF, Fapas, GEOTA, LPN, Quercus, SPEA e Zero. As associações alegam, em comunicado divulgado esta quinta-feira, que a barragem do Pisão põe “em causa os interesses da União Europeia. Perante a dimensão dos “danos ambientais significativos e irreversíveis” a Coligação C7 considera que o projecto “não tem interesse público” e apresentou, a 25 de Outubro, um recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul para travar o projecto.
Além de “absorver” fundos europeus, a execução do projecto da barragem do Pisão não respeita as estratégias e legislação comunitária, como a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 incluída no Pacto Ecológico Europeu, a Directiva-Quadro da Água, a Lei de Restauro da Natureza e o Regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, argumentam as sete ONGA num comunicado conjunto.
As organizações da designada C7 destacam ainda no seu comunicado uma das conclusões inseridas no estudo de impacte ambiental (EIA) elaborado para o Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato (AHFMC): “O projecto gerará significativos impactes negativos, quer na fase de construção, quer na fase de exploração, com afectação substancial de valores naturais, patrimoniais, ecológicos e socioeconómicos, diversos dos quais de carácter de alguma singularidade e relevância (quer conservacionista, quer histórica)”.
Entre outros danos, a construção desta barragem resultará na destruição de habitats protegidos e no abate mais de 40 mil árvores, entre povoamentos de azinheiras e sobreiros, na alteração e interrupção dos regimes de caudais naturais da ribeira de Seda, na conversão de áreas agrícolas de sequeiro em regadio. Da sua instalação resultará também o “incentivo ao consumo de água onde ela já escasseia, reduzindo a biodiversidade, na artificialização dos usos do solo, na possível contaminação dos solos e das águas e na destruição da aldeia do Pisão, com a deslocalização dos seus habitantes”, lembram as ONGA.
Receio dos agricultores
A própria Associação de Regantes do Vale do Sorraia admite que a construção da barragem do Pisão possa vir a sobrepor novos interesses aos direitos adquiridos na Barragem do Maranhão.
Explicando as razões que motivam o receio dos agricultores da região para onde está projectado o empreendimento de fins múltiplos, lembram que na ribeira de Seda, que integra a bacia hidrográfica do Tejo, foi construída em 1958 a Barragem do Maranhão, com capacidade para armazenar 205 hectómetros cúbicos (hm3) de afluências. Assim, na mesma linha de água, entrará em funcionamento a Barragem do Pisão, com capacidade para reter 116hm3 e cobrir uma área com 725 hectares.
Na posição que tomou sobre o conteúdo da declaração de impacte ambiental (DIA) favorável condicionada do AHFMC, baseado na Barragem do Pisão, a associação de regantes recorda as orientações de um relatório publicado em Julho de 2000 sobre os estudos da 1.ª fase do Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Tejo.
Nesse documento, destacava-se a inconveniência de futuros aproveitamentos hidráulicos a licenciar a montante das albufeiras das barragens do Maranhão e Montargil, afirmando que, “(…) na prossecução do desenvolvimento sustentável, não deverão ser licenciados, incondicionalmente, novos aproveitamentos nestas bacias hidrográficas, devendo a entidade licenciadora impor restrições ao regime de utilização da água, no caso de novos licenciamentos (…)”.
Interesse público nacional?
A advertência não surtiu efeito. A 1 de Setembro de 2022, o Conselho de Ministros emitiu o título único ambiental (TUA) com a declaração de impacte ambiental favorável condicionada do AHFMC, classificando-o como “empreendimento de interesse público nacional”.
Perante a dimensão dos “danos ambientais significativos e irreversíveis”, a coligação C7 considera que o interesse público do projecto “é inexistente”, uma vez que o principal objectivo da construção da barragem do Pisão “não é o abastecimento público, considerando o cenário de decréscimo da população no território que em princípio será abrangido pelo empreendimento”. Com efeito, observam ainda as sete associações, “dados apresentados confirmam que o volume útil da Barragem de Póvoa e Meadas é suficiente para abastecimento público”.
Acresce ainda o custo final da Barragem do Pisão e da central fotovoltaica que se aproximará dos 300 milhões de euros. A sua execução exigirá o recurso a um empréstimo pelo Estado de 140 milhões de euros.
“Urge impedir a tomada de decisões subsequentes ao título único ambiental e à declaração de impacte ambiental”, reclamam as ONGA, argumentando que é preciso evitar a “criação de expectativas, prejudiciais aos interesses privados e ainda muito mais ao interesse público do Estado português”.
Acção no tribunal
Por esses motivos, em Novembro de 2022, o GEOTA, apoiado pela LPN, Quercus e Zero, apresentou uma acção administrativa para a anulabilidade ou anulação do TUA. O próprio Ministério Público acompanhou esta posição, interpondo uma acção semelhante em 2023, reforçando os argumentos contra este plano.
Face ao desenvolvimento do projecto, que não parou, apesar da pendência da acção administrativa, a 30 de Julho as ONGA apresentaram uma providência cautelar “pelo fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, de prejuízos de difícil reparação”, antes que a acção principal pudesse ser considerada procedente.
Apesar de toda a argumentação sobre os factos e riscos suscitados na acção administrativa e na providência cautelar, a sentença da primeira instância para a providência cautelar “não considera que se esteja numa situação de risco sério, actual e efectivo que faça perigar o efeito útil de uma eventual decisão de procedência da acção principal”.
O colectivo das ONGA discordou da sentença do tribunal e apresentou, a 25 de Outubro, um recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul “visando acautelar o efeito útil da acção administrativa principal para tentar que não se cometa mais um atentado contra o ambiente”, concluem as organizações ambientalistas.