Moçambique em chamas e o silêncio confortável de Portugal

Protestos ignorados, vidas perdidas e Portugal em silêncio: não estamos a ouvir? Moçambique está em chamas, e enquanto o Sul arde, por cá o vento que sopra traz apenas um silêncio confortável.

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Manifestação de profissionais de saúde moçambicanos, liderados pelos médicos Luísa Nhantumbo
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Nos últimos dias, Moçambique tornou-se palco de uma onda de protestos, aqueles "pequenos tumultos" que tantas vezes se ignoram quando acontecem longe dos olhos. A eleição do presidente Daniel Chapo, da FRELIMO, provocou um descontentamento que nem o mais insensível dos ouvidos poderia ignorar, mas a verdade é que aqui em Portugal, parece que os ventos do Sul não sopram com força suficiente para nos despertar do nosso sonolento conforto. Há que manter o tom neutro, não queremos que o vento traga tempestades, pois não?

Entretanto, as forças de segurança moçambicanas não estão propriamente a usar jasmim para acalmar os protestos. Balas reais, gás lacrimogéneo — a velha linguagem da repressão — tem sido usada contra aqueles que se atrevem a erguer a voz por algo tão simples como os seus direitos. Mas Portugal, e a sua elite política, permanecem de ouvidos bem tapados. Talvez seja do vento que sopra do Atlântico, ou talvez seja mesmo uma escolha cómoda. Afinal, a indignação selectiva é uma especialidade por estas bandas. Está tudo bem por aí, senhor Presidente Marcelo? E consigo, Primeiro-Ministro Montenegro? A brisa que vos chega não traz novidades de Moçambique?

É curioso como se ergue tanto a voz em Portugal quando o assunto é a liberdade e a democracia — evocando o 25 de Abril como uma medalha reluzente. Mas, quando a opressão está a milhares de quilómetros e envolve um país irmão há um silêncio conveniente. Deve ser diplomacia, dizem-nos. O que se passa em Moçambique fica em Moçambique, não vá isso atrapalhar os nossos interesses e os nossos discursos de circunstância.

E depois há os meios de comunicação em Portugal, todos tão ocupados a virar o foco para a América, para as tensões do outro lado do Atlântico, que as chamas em Moçambique só aparecem em breves últimas notas. Deve ser um eco longínquo, pouco digno de uma análise demorada. Dá trabalho olhar para lá. Alguém pode questionar-se se o vento é mesmo tão fraco ou se é a nossa vontade de ouvir que é tão pequena. A ignorância pode ser tão cómoda quando não se quer lidar com o desconforto de uma verdade inconveniente.

Por que razão Portugal evita olhar para Moçambique? Talvez porque encarar o que se passa significaria reconhecer que a diplomacia portuguesa, tão orgulhosa dos seus laços com os PALOP, prefere não abanar o barco. Não é confortável criticar "amigos" que são convenientes. Por que iríamos levantar a voz em defesa dos direitos humanos quando isso poderia abalar um jantar de gala ou uma cimeira qualquer? Que se dane a vida dos moçambicanos, desde que os laços continuem a ser apertados à volta das mesas de negociação.

O 25 de Abril não deveria ser apenas uma celebração do que foi conquistado em Portugal. Deveria ser uma inspiração, um compromisso com a liberdade em todo o lado, especialmente onde os laços históricos nos unem de forma tão profunda. E no entanto, esse compromisso parece quebrar-se quando mais importa. A nossa história, a nossa própria luta pela liberdade, deveria fazer-nos mais sensíveis a este tipo de repressão, não mais distantes.

É altura de acordar, de falar, de tomar partido — porque o silêncio que atravessa o Atlântico é um eco da nossa própria covardia. O vento pode não ser forte, mas Moçambique está a arder e Portugal não pode continuar a fingir que não sente o cheiro da fumaça.

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