Mais manifestações vão levar Moçambique ao limite
Venâncio Mondlane apelou a mais manifestações nas capitais de província, nas fronteiras e nos portos do país e defendeu o direito legítimo de defesa da população.
A Renamo entregou a última arma no dia 15 de Junho de 2023. Filipe Nyusi, Presidente da República ainda em exercício, e Ossufo Momade, líder da Renamo, concluíram o processo de desarmamento e desmobilização uma semana depois. Nyuso e Momade repetiram duas palavras: paz e reconciliação.
O primeiro tinha ficado tão ufano com a vitória que chegou a proclamar que Moçambique podia liderar outros processos de paz, omitindo que havia e há um conflito armado no seu país, em Cabo Delgado, e fez uma promessa: “Vamos recorrer sempre ao diálogo.”
O processo de desarmamento era uma oportunidade de reconciliação se o Governo estivesse empenhado na transformação mais importante do país: a despartidarização do Estado e a garantia de eleições justas e transparentes. Não terá sido o que aconteceu nas autárquicas seguintes e o que aconteceu nas últimas eleições presidenciais, provinciais e legislativas.
A Frelimo apoderou-se do poder, é uma organização sob suspeita de se aproveitar do Estado e não parece disposta a abdicar do poder absoluto que lhe confere a manipulação dos cadernos eleitorais e das mesas de voto.
O que aconteceu nas autárquicas foi que a Renamo cantou vitória em Maputo e que a vitória foi atribuída ao candidato da Frelimo. Nada de novo. Foi o que se verificou em todas as eleições anteriores. A Renamo queixa-se de fraudes eleitorais, a Frelimo declara vitória. E a vida em Moçambique, com todas as suas assimetrias escandalosas, segue em frente.
Mas o candidato “derrotado” na capital chamava-se Venâncio Mondlane. Mondlane organizou um raro protesto de rua para celebrar a “vitória”, que não lhe reconheceram, e escolheu como banda sonora o rapper e activista Azagaia, morto em circunstâncias obscuras, conhecido pelas suas críticas políticas. Podem ter matado Azagaia, mas a banda sonora da contestação está mais do que viva. O fim do monopartidarismo não passou de um simulacro.
Com as últimas eleições, sobretudo o seu resultado presidencial, houve uma mudança substancial. A Frelimo garantiu a sucessão clânica, mas o candidato da Renamo ficou em quinto lugar. Foi evidente a renúncia do binómio Frenamo (a junção dos acrónimos dos dois maiores partidos) e a irrupção de um descontentamento à volta de Venâncio Mondlane, recusado pela Renamo como candidato, e que se apresentou pelo partido Podemos.
O pastor evangélico é uma figura conhecida da televisão e popular nas redes sociais, mas o seu programa político não tem qualquer consistência: apela ao jejum, à oração para a protecção divina e está convencido do seu messianismo. Culpabiliza a Frelimo pela situação de miséria em que vive a população e apela ao derrube do Governo.
A adesão que obteve mostra duas coisas. A primeira é esta: há uma população sem medo de sair à rua, que não é exclusiva de Maputo, e que tem uma grande vontade de revolta, que transcende os resultados políticos e a personalidade de Mondlane. Protestar sempre foi um risco de vida em Moçambique. A segunda: a Frelimo mantém a sua intransigência e responde com toda a violência para reprimir qualquer laivo de liberdade de expressão.
Os homicídios de Elvino Dias, assessor jurídico de Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do Podemos, acicataram ainda mais o descontentamento e o clima de injustiça.
O facto de a Procuradoria moçambicana ter acusado Mondlane de crime de desobediência não augura nada de bom. Ao contrário do que dizia Nyusi aquando da cerimónia de reconciliação com a Renamo, nem a Frelimo recorreu ao diálogo nem o povo moçambicano vive em paz ou em reconciliação.
Estas duas palavras dizem respeito apenas aos dois partidos moçambicanos. Nada dizem a quem a vive na miséria, num dos dez países mais pobres do mundo e onde a pobreza aumentou quase 90% numa década.
Mondlane, que disse estar exilado, apelou nesta segunda-feira a mais manifestações nas capitais de província, nas fronteiras e nos portos, convidando a uma paralisação dos camionistas, para parar a economia do país, e defendeu o direito de legítima defesa do povo.
Ou a pacificação passa por uma solução política, que inclua, por exemplo, a repetição de eleições, ou o conflito pode atingir proporções trágicas e inesperadas. Mais tarde ou mais cedo, uma revolta travada a tiro acabará por fazer ricochete.
É pouco provável que a Frelimo siga o conselho de Graça Machel, a viúva do primeiro presidente do país, que considera que o partido foi assaltado por um grupo minoritário, e reconheça “honestamente as derrotas” e peça “desculpa o povo”. Moçambique chegou ao limite. Como cantaria Azagaia, o povo moçambicano é o “único rico que vive na miséria”.