“Será difícil reprimir a vontade do povo que quer ser livre”, diz Igreja Católica ao Governo moçambicano
Bispos católicos da África Austral pedem ao executivo moçambicano que “aborde as causas da insatisfação” da população. Organização política regional marca reunião de emergência para analisar o caso.
Organizações regionais da África Austral, de que Moçambique faz parte, estão muito preocupadas com a crise pós-eleitoral no país. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), de que é membro também Angola, resolveu convocar uma reunião de emergência para o dia 16 para analisar a situação em Moçambique, enquanto a Conferência dos Bispos Católicos da África Austral (SACBC) enviou uma carta aos bispos moçambicanos a solidarizar-se com o seu pedido para que “as autoridades abordem as causas de insatisfação” dos manifestantes e “respeitem a vontade do povo moçambicano”.
A carta, assinada pelo bispo Sithembele Anton Sipuka, presidente da SACBC, apoia o apelo dos bispos católicos moçambicanos a que “todos os directamente envolvidos no processo eleitoral e no conflito resultante reconheçam a culpa, ofereçam o perdão e abracem a coragem da verdade”. Para a Igreja Católica, “este é o caminho que devolverá a normalidade a um país que se quer vivo e activo e não silenciado pelo medo da violência”.
“A certificação dos resultados foi uma mentira, como ficou claro ao observar nos media, a 31 de Outubro, a expressão de descontentamento em relação aos resultados por inúmeras pessoas que protestavam pacificamente”, refere a missiva. “Ficámos muito chocados e tristes ao ver a dura repressão das forças de segurança em resposta a esse protesto pacífico.”
A carta também “lamenta a decisão” do Governo sul-africano de reconhecer o processo eleitoral em Moçambique, “apesar das queixas generalizadas”, e extemporaneamente se ter apressado a felicitar o partido Frelimo pela vitória, quando as pessoas no terreno “sentiam que a sua voz não tinha sido ouvida”.
“Será difícil continuar a reprimir a vontade do povo que quer ser livre”, sublinham os bispos católicos, que deixam o aviso: “Se o Governo em exercício continuar por este caminho, será impossível governar o país e a vida tornar-se-á mais miserável.” Os bispos também aproveitam a missiva para pedirem à SADC para “lidar com a situação”, caso venha a “deteriorar-se”.
A organização regional, entretanto, convocou uma cimeira extraordinária de emergência para 16 a 20 de Novembro, a pedido do seu presidente em exercício, o chefe de Estado zimbabweano, Ernest Mnangagwa, destinada a analisar “assuntos regionais significativos”, incluindo a crise política em Moçambique.
“Espera-se que a cimeira seja informada dos acontecimentos políticos na região, incluindo as recentes eleições em Moçambique e no Botswana e o próximo sufrágio na Namíbia”, afirmou o ministro da Informação do Zimbabwe, Jenfan Muswere, citado pelo diário tanzaniano The Citizen.
Violência nos protestos
Apesar de alguma pressão internacional para que o Governo abra uma via de diálogo com Venâncio Mondlane, o candidato presidencial que reclama para si a vitória e apela à reposição da verdade eleitoral, o executivo em exercício está empenhado em caracterizar as manifestações das últimas semanas contra a fraude eleitoral como protestos de gente violenta, de vândalos que destroem bens públicos e privados.
A ministra dos Negócios Estrangeiros, Verónica Macamo, afirmou aos jornalistas: “[Os manifestantes] estão a destruir as coisas que já construímos, estão a fazer o país recuar.” Garantiu que os protestos convocados por Mondlane estão a dificultar a vida das pessoas que dependem da venda informal para sobreviver.
Uma ideia que o jornal Redactor defendia na manchete da sua newsletter de sexta-feira, ao alertar para o risco da “‘haitização’ de Moçambique”, tentando exacerbar semelhanças inexistentes entre o que se está a passar com os protestos moçambicanos e a situação de colapso das instituições do Estado no Haiti, onde gangs e organizações criminosas dominam partes do território. Sem, contudo, especificar que a violência dos protestos tem sido exercida em grande medida pela polícia, que disparou gás lacrimogéneo e munições reais contra os manifestantes, matando pelo menos 34 pessoas. As Forças de Defesa e Segurança chegaram a exercer violência e a levar detidas pessoas pelo “crime” de darem água a manifestantes atingidos pelo gás lacrimogéneo.
Verónica Macamo falava no meio da rua, numa Maputo que acordou, na manhã deste sábado, com a azáfama habitual de tráfego de peões e de automóveis, com os passeios repletos de vendedores ambulantes à procura de recuperar os dias em que ficaram sem vender, ou porque estavam nos protestos e aderiram à greve, ou porque não havia condições de segurança para as actividades comerciais.
Uma manhã “normal” que resulta do facto de Mondlane ter decretado, na sexta-feira, numa transmissão ao vivo na sua página no Facebook, uma pausa nas manifestações, enquanto prepara a quarta e última fase dos protestos, cujos pormenores e data de arranque só serão divulgados na segunda-feira. O que se sabe, porque o próprio o afirmou, é que será uma fase “dolorosa” que irá afectar em muito a economia moçambicana.