Imigrantes sem documentos casadas com cidadãos dos EUA vão poder ser deportadas

Iniciativa que protegia 500 mil mulheres casadas com norte-americanos, no país há mais de dez anos e sem registo criminal, foi travada nos tribunais. Decisão afecta também 50 mil crianças.

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O Presidente dos EUA, Joe Biden, durante o anúncio da medida, em Junho Anna Rose Layden / REUTERS
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Um juiz do estado norte-americano do Texas travou uma iniciativa do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para proteger da deportação 500 mil mulheres que entraram de forma ilegal no país há mais de dez anos e que estão casadas com cidadãos norte-americanos. Além de impedir a deportação enquanto os pedidos de legalização correm nos tribunais, o decreto presidencial de Biden iria também travar a expulsão de pelo menos 50 mil crianças que são enteadas de cidadãos norte-americanos.

A medida foi anunciada por Biden em Junho e esteve em vigor apenas uma semana, em Agosto. Nessa altura, o juiz John Campbell Barker — um juiz do Texas nomeado por Trump, em 2019, para um tribunal federal com sede naquele estado norte-americano — suspendeu a aplicação do decreto na sequência de uma queixa liderada pelo procurador-geral do Texas, o republicano Ken Paxton. Segundo os autores da queixa, a iniciativa de Biden é ilegal, porque equivale a uma “concessão unilateral de cidadania”, por parte da Casa Branca, a imigrantes sem documentos.

“O poder executivo concedeu presença legal e autorização de trabalho, de forma unilateral, a estrangeiros presentes no país ilegalmente, e depois usou essa ‘dispensa’ de presença legal para conceder cidadania também de forma unilateral”, lê-se na queixa apresentada por Paxton e que contou com a participação de outros seis procuradores-gerais republicanos.

Ainda que se trate de uma decisão de primeira instância, é provável que a questão fique por aqui — é conhecida a oposição de Donald Trump ao decreto assinado por Biden, e o Presidente eleito dos EUA certamente irá revogar o documento assim que tomar posse, a 20 de Janeiro de 2025.

Ao contrário do que acontece com as leis aprovadas no Congresso dos EUA, que só podem ser alteradas ou revogadas através de uma nova votação, os decretos presidenciais são, na sua essência, instruções direccionadas às várias agências federais do país, que dependem directamente dos presidentes norte-americanos. Sem força de lei, podem ser revogadas através de novos decretos presidenciais.

Segundo a Administração Biden, a iniciativa que foi agora travada nos tribunais iria proteger da deportação 550 mil pessoas — 500 mil mulheres casadas com cidadãos norte-americanos e 50 mil crianças. Segundo a lei dos EUA, os cidadãos estrangeiros podem adquirir a cidadania norte-americana através do casamento, mas apenas se tiverem entrado no país de forma legal.

“Estes casais estão a criar famílias, a enviar os seus filhos para as igrejas e para as escolas, a pagar impostos, a contribuir para o nosso país”, disse Biden, em Junho, ao anunciar a medida. “Estão a viver nos Estados Unidos debaixo do medo e da incerteza. Nós podemos acabar com isso.”

Além do impacto na vida das famílias em causa — as mulheres que seriam abrangidas estão nos EUA há pelo menos dez anos e não podiam ter registo criminal, além de que muitas delas trabalham no país há vários anos —, o bloqueio da medida nos tribunais irá também, segundo os defensores da iniciativa, causar ainda mais tensão no sistema de imigração.

Um dos principais problemas do sistema é o excesso de processos pendentes e a falta de juízes de imigração suficientes para darem vazão aos casos em tempo útil. Agora, as pessoas que seriam abrangidas pela iniciativa de Biden ficam expostas ao programa de deportação de todos os imigrantes sem documentos que foi prometido por Trump; uma vez expulsas, irão engrossar o número de processos pendentes para a legalização da sua situação no país, o que consumirá ainda mais tempo e recursos do frágil sistema de imigração norte-americano.

Já este ano, o Congresso dos EUA teve uma oportunidade histórica para reformar o sistema, através da aprovação de um orçamento destinado especificamente à contratação de mais juízes e funcionários de imigração, incluindo guardas fronteiriços. A proposta, que foi apresentada por congressistas de ambos os partidos, acabaria por ser reprovada por iniciativa de Trump e da ala mais à direita do Partido Republicano.

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