Nota sobre a contratação de docentes convidados das universidades

Pela lei atual, uma instituição de ensino superior pode abrir candidaturas para uma base de recrutamento de futuros docentes convidados. Parece-me que seria de trocar o verbo “poder” pelo “dever”.

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As universidades de Portugal sofreram, nas últimas décadas, alterações acentuadas. O número de pessoas com licenciatura, mestrado e doutoramento aumentou dramaticamente. O número de instituições, bem como a distribuição geográfica das mesmas, sofreu um assinalável incremento, sendo hoje possível frequentar o ensino superior universitário sem ser em Coimbra, como aconteceu durante muito tempo, ou sem ser, adicionalmente, em Lisboa e Porto, como sucedeu subsequentemente. A natureza das instituições deixou de ser apenas estatal, sendo presentemente um campo aberto a outros intervenientes. A gama dos tópicos principais dos cursos ministrados, de igual forma, foi grandemente ampliada. A investigação científica, pelo seu lado, registou de igual forma um marcado aumento. Sem prejuízo de considerações adicionais de relevo que se poderiam fazer sobre estes tópicos, o facto é que se verificou uma grande expansão, quantitativa e, em alguns aspetos, qualitativa, do ensino universitário.

No acesso à carreira docente, para os docentes de carreira, é privilegiado o método do concurso, sendo definidas, pela legislação aplicável, as condições que cada pessoa deve reunir para poder ocupar uma determinada posição. Por exemplo, para o caso dos professores auxiliares, é necessário ser titular do grau de doutor. A República Portuguesa encontra-se estruturada tendo em conta, entre outros, os princípios da imparcialidade, da transparência, da igualdade de oportunidades e da não discriminação. Os concursos para a carreira universitária contemplam, como norma, esses princípios.

Contudo, esses mesmos concursos podem avaliar elementos curriculares para a obtenção dos quais não se verificaram os pressupostos acima enunciados, desde logo, a igualdade de oportunidades. A experiência pedagógica será, tipicamente, um dos aspetos a ter em conta aquando da avaliação curricular. Esta poderá ter sido obtida enquanto docente de carreira, mas também como docente convidado. E, para efeito de um concurso, poderão contar ambos os tipos de experiência.

A universidade deve ser uma entidade aberta, seja a pessoas com a nacionalidade portuguesa, seja a pessoas com outras nacionalidades, e os elementos curriculares de cada candidato ou candidata podem ter sido obtidos em circunstâncias e em locais muito diferentes. Noutras latitudes, as universidades não podem contratar como docentes as pessoas que se doutoraram nas próprias instituições, pelo menos imediatamente após o doutoramento. Não é esse o caso entre nós. Não existe a tradição de uma pessoa mudar de uma instituição para outra instituição académica portuguesa após o doutoramento, e o mesmo ocorre apenas pontualmente.

Os docentes convidados das universidades (“pessoal especialmente contratado”) desempenham, com frequência, papeis de assinalável relevo, seja sob o ponto de visa qualitativo, seja quantitativo, podendo ser regentes de cadeiras (“unidades curriculares”) ou mesmo dirigindo instituições universitárias.

Em virtude do acima exposto, sou de opinião que se poderá justificar uma alteração à legislação aplicável aos docentes convidados das Universidades. A atual legislação prevê que cada instituição de ensino superior possa levar a cabo um período de candidaturas, constituindo uma base de recrutamento da qual serão escolhidos os docentes convidados. Respeitando outras opiniões, parece-me que seria de ponderar a troca de verbo, de “poder” para “dever” – o que poderia diminuir o impacto do problema ora em análise.

Sobretudo nos casos nos quais se verifique que a instituição em causa regista acentuada heterogeneidade das matérias a lecionar ou que é necessário um grande número de docentes convidados, poderia existir um procedimento adicional, por forma a fazer corresponder de forma mais perfeita as candidaturas às necessidades de cada instituição.

Os novos contratos de docentes convidados (não as renovações de contratos) poderiam ter lugar na sequência de um procedimento de manifestação de interesse por parte das pessoas interessadas, com publicitação das vagas no portal eletrónico de cada instituição, e mediante a apresentação de um curriculum vitae, em cumprimento dos princípios acima enunciados. O procedimento deveria ser levado a cabo sob a direção de um júri e deveria dar lugar a uma ata, a ser validada pelo órgão próprio da instituição (conselho científico), respeitando os restantes requisitos presentemente em vigor.

O acima exposto pode ser visto como insuficiente para prevenir a discricionariedade, uma vez que não estão cumpridos todos os critérios de um concurso público. Contudo, pode assegurar a necessária celeridade nas contratações, de forma a não ficar prejudicado o serviço docente, e representaria, na minha opinião, um passo no sentido certo.

Em conclusão, a assinalável e louvável evolução da Academia, manifestada, entre outros aspetos, pela abertura no acesso aos títulos de licenciado, de mestre e de doutor (neste último caso, através do aparecimento de numerosos programas doutorais), poderia ser complementada pelo incremento da imparcialidade, da transparência, da igualdade de oportunidades e da não discriminação no acesso ao estatuto de docente convidado.

A uma sociedade aberta deverá corresponder uma Academia cada vez mais aberta.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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