Finanças Locais: revistas ou novas?

A Lei das Finanças Locais alterada em 2018 – e afinada em vários orçamentos de Estado sequentes – só viu a sua aplicação plena no ano orçamental de 2022. Há apenas dois anos. Merece mais reflexão.

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Fez bem quem separou o trabalho da revisitação da Lei das Finanças Locais (LFL) da preparação da proposta de Orçamento do Estado para 2025. Fiz parte do grupo de trabalho que preparou as alterações à LFL em 2018. Pode não se acreditar, mas, para o trabalho ficar bem feito, as tarefas e discussões preparatórias duraram dois anos. Entre 2016 e 2018, sensivelmente.

Nesse grupo de trabalho, o Governo de então juntou consultores técnicos independentes, a Associação Nacional de Freguesias e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, e ambas associações participaram com assessoria técnica e com elementos políticos.

Recordo-me dos trabalhos preparatórios, quer para a revisão da LFL quer para uma nova lei de descentralização de competências, e foram tão tecnicamente detalhados, que motivaram a expressão da opinião geral dos autarcas dirigentes das associações de autarquias de que não fosse alterado o ministro responsável pasta, quando Eduardo Cabrita assumiu a pasta da Administração Interna.

A alteração proposta, que quase que se poderia etiquetar de nova Lei das Finanças Locais, resultou numa dimensão expressiva: foram 52 os artigos que não ficaram intactos e 18 novos artigos foram adicionados, num total 70 de mexidas na lei.

Assim, em minha opinião e com base nessa experiência, penso que seria impossível a um governo que tomou posse no mês de abril chegar a 10 de outubro com uma proposta de Orçamento do Estado que efetuasse também uma alteração profunda à LFL.

Em 2018 as grandes novidades para os municípios seriam a da atribuição de 7,5% da receita de IVA liquidada em cada território, relativo a diversas atividades económicas, bem como a criação do Fundo de Financiamento da Descentralização, de suporte à Lei da Descentralização, aprovada no mesmo momento. Fundo esse que, ultrapassadas as dificuldades de implementação originadas pelos tempos pandémicos e pelo natural arranque do processo no território, orçou 1209,7 milhões de euros em 2023 e 1363,7 milhões em 2024, sendo agora proposto 1405,4 milhões de euros para 2025, concretizando, na prática, a necessária prossecução do movimento de descentralização para além dos naturais ciclos políticos.

O Fundo de Descentralização, no decorrer dos últimos anos, constituiu uma relevante transferência financeira do Orçamento do Estado para o financiamento das novas competências das autarquias locais e das entidades intermunicipais, decorrente da nova lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, aprovada pela Lei n. 50/2018, de 16 de agosto. Mas, é natural que exista a aspiração dos municípios que este Fundo passe a ter a origem num cálculo a partir de uma perequação, e não ter apenas a origem de cálculo estritamente num momento negocial, objetivamente mais casuística e fixada no tempo.

Para as freguesias, as maiores alterações situaram-se na recuperação dos 0,5% dos impostos do Estado, retirados em 2013, passando o Fundo de Financiamento das Freguesias FFF) a ser constituído por a 2,50% da média aritmética simples das receitas do IRS, IRC e do IVA, do ano anterior ao da proposta de Orçamento do Estado. E, também, na revisão da fórmula de distribuição horizontal do Fundo integrando, que para além da população (em vez de eleitores) e da área do território, passou a ter em conta a densidade populacional. E, mantendo os travões ao decréscimo, e os tetos ao aumento bruscos num único ano dos valores, mas concretizando uma segunda distribuição para esgotar os 2,5% da média dos impostos calculada, beneficiando nesta distribuição os territórios de baixa densidade.

Mas, sem que as freguesias vissem a perda da receita de 1% receita do IMI sobre prédios urbanos, atribuída em 2013. Em resultado, vimos o FFF apresentar um valor global de 293,2 milhões de euros em 2023 e 348,1 milhões em 2024 e uma proposta de 396,6 milhões para 2025, em resultando dos cálculos das fórmulas alteradas em 2018 – muito longe dos 184 milhões de euros do Orçamento do Estado para 2015.

Com esta revisão das receitas locais atingiu-se um nível de autonomia financeira local expressivo. O que não invalida a justa aspiração dos municípios de retomar a participação em 25,3% da média dos impostos do Estado, no cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), por forma a alinhar os recursos das autarquias locais portuguesas com média das receitas públicas acometidas aos poderes locais na União Europeia.

A Lei das Finanças Locais alterada em 2018 – e afinada em vários orçamentos de Estado sequentes – só viu a sua aplicação plena no ano orçamental de 2022. Há apenas dois anos. Merece, por isso, uma reflexão maior. Até uma avaliação independente dos interesses diretamente envolvidos. E, aí sim, faz sentido uma reforma profunda ou até uma nova Lei das Finanças Locais.

Por exemplo, não basta que os regimes jurídicos das autarquias locais e das finanças locais integrem e desenvolvam os clássicos princípios da legalidade, da autonomia financeira, da transparência, da solidariedade nacional recíproca e da equidade intergeracional. Há também que orientar esses regimes ao desenvolvimento de novos princípios, ao cumprimento de novos indicadores, e ao atingir de novas metas, que a busca de um mundo globalizado e mais sustentável nos impele. Defendo, por isso, a negociação com os parceiros do poder local do desenho de um novo modelo de financiamento autárquico, que corresponda aos desafios do desenvolvimento sustentável e ao aprofundamento da descentralização já conseguida até aqui.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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