Países árabes solidarizam-se com o Irão, mas escolhem bem as palavras

Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos condenam ataque contra Teerão sem nomearem Israel. Mas os iranianos receberam com agrado muitas mensagens de solidariedade.

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Antony Blinken e Mohammed bin Salman em Riade, na quarta-feira Nathan Howard / REUTERS
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Em Telavive e de partida para Riade, esta semana, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, defendeu que, “apesar de tudo, continua a existir uma oportunidade incrível para avançar numa direcção diferente” no Médio Oriente, que passe pela normalização entre Israel e a Arábia Saudita. O problema é que o “apesar de tudo” não pára de aumentar: apesar dos pelo menos 42.924 mortos na Faixa de Gaza, apesar do primeiro ataque declarado de Israel contra o Irão.

Quando se trata das posições dos países árabes face à situação em Gaza e no Líbano ou ao ataque da madrugada deste sábado, há análises para todos os gostos. Patrick Wintour, editor de diplomacia do diário The Guardian, nota que o Irão terá ficado agradado “com as mensagens de solidariedade, sinal de que o seu recente impulso diplomático na região deu frutos”. As “manifestações públicas de solidariedade entre o Irão e os seus vizinhos árabes não são automáticas”, sublinha. Rivais durante décadas, Riade e Teerão iniciaram uma reaproximação diplomática em Março de 2023.

“Numa região em que as alianças estão mais complicadas do que nunca, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Egipto reagiram ao ataque com palavras que falam por si – não pelo que dizem, mas pelo que deixam por dizer”, escreve, em sentido contrário, Zvika Klein, chefe de redacção do jornal The Jerusalem Post. “Embora referindo as palavras ‘soberania’ e ‘desanuviamento’”, todos evitaram "condenar Israel, colocando a tónica nas ameaças mais vastas à estabilidade regional”.

Nenhum dos países que assinaram os Acordos de Abraão, de normalização com Israel – para além dos Emirados, o Bahrein, Marrocos e Sudão –, os pôs em causa desde o início da devastadora guerra na Faixa de Gaza, mas todos voltaram a exigir um Estado palestiniano, enquanto o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, disse pela primeira vez em Setembro que o país “não estabelecerá laços com Israel até esse objectivo ser alcançado”. O Cairo, por seu turno, já ameaçou rasgar o tratado de paz com, Israel, assinado em 1979.

Para Klein, ao condenar uma “violação da soberania” sem nomear os israelitas, os sauditas “revelam a sua intenção de evitar isolar completamente Israel”. Mas os factos também são reveladores: os exercícios navais conjuntos realizados há dias entre sauditas e iranianos no mar de Omã, por exemplo, ou a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Abbas Araghchi, a Riade, há duas semanas.

Klein insiste que os países árabes “parecem estar a reconhecer o papel de Israel como contrapeso às ambições regionais de Teerão”. Mas não era esse o cenário antes de Gaza? “Está em curso um desanuviamento diplomático no Médio Oriente, mas não o imaginado por Benjamin Netanyahu”, escreveu o jornal The New York Times, a propósito do encontro de Doha, que juntou os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países do Golfo, pela primeira vez em conjunto, e Araghchi, apenas um dia depois do último ataque iraniano contra Israel.

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