Vida Justa altera destino da manifestação para evitar Chega e acusa autoridades de “irresponsabilidade”

Movimento decidiu alterar o local de destino da sua manifestação de amanhã para a Praça dos Restauradores para não se confrontar com o Chega na Assembleia da República. Mas deixa críticas.

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A iniciativa do movimento Vida Justa surge na sequência da morte de Odair Moniz, que tem motivado manifestações de repúdio Nuno Ferreira Santos
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O movimento Vida Justa anunciou nesta sexta-feira que alterou o destino final da manifestação, que marcou para este sábado à tarde, em Lisboa, para evitar confrontos com o partido de André Ventura, o Chega, e acusou as autoridades de "irresponsabilidade" por terem autorizado duas manifestações com o mesmo destino.

Familiares de Odair Moniz, associações de moradores do Bairro do Zambujal, movimento Vida Justa e outros movimentos sociais anunciaram ontem que vão organizar a manifestação Justiça para Odair Moniz, sob o lema Sem Justiça não há paz, sendo que pouco tempo depois André Ventura, líder do partido Chega, anunciou que irá promover uma manifestação em defesa da polícia. Embora com percursos diferentes, ambas as manifestações tinham originalmente como destino final a Assembleia da República. Nesta sexta-feira, o Vida Justa anunciou que decidiu alterar o local de destino da sua manifestação, que terá início no Marquês de Pombal e irá agora terminar na Praça dos Restauradores.

Em comunicado, o movimento Vida Justa “condena a decisão das autoridades de permitir que o Chega terminasse a sua contramanifestação no mesmo local da manifestação”.

"Chega está interessado em criar incidentes"

“Esta decisão, no entender do Vida Justa, é ilegal – por ter sido convocada primeiro a manifestação ‘Sem Justiça não há Paz’ e não serem permitidas contramanifestações – e é irresponsável”, lê-se no mesmo comunicado que acrescenta: “Estamos cientes de que o Chega, que defende que Portugal estaria melhor se os polícias matassem mais pessoas, está interessado em criar incidentes, mas a manifestação dos bairros é pacífica e responsável, mesmo quando as autoridades não o estejam a ser.”

Assim, a manifestação da iniciativa Vida Justa vai marchar do Marquês aos Restauradores, no sábado, 26 de Outubro, às 15h00.

Já o Chega, que mantém o seu percurso, disse ao PÚBLICO fonte do partido, vai sair da Praça do Município pelas 15 horas em direcção à Assembleia da República.

O PÚBLICO pediu esclarecimentos à PSP que explicou que recebeu a comunicação das referidas manifestações através da autoridade administrativa, neste caso a Câmara Municipal de Lisboa (CML), tendo de imediato, procedido à elaboração da" habitual análise de risco para a ordem e segurança públicas associada à realização dos eventos no espaço e horário propostos pelos promotores", cujas iniciativas reconhece terem "posicionamentos ideológicos antagónicos".

A PSP sublinhou que se empenhou "em conciliar as duas manifestações, harmonizando as intenções e desígnios de ambos os promotores, adaptando o seu dispositivo para dar resposta positiva ao exercício do direito de manifestação por parte dos cidadãos que queiram integrar as acções de manifestação, assegurando que quem comunicou primeiro exerce, se não houver constrangimentos de maior, a primazia da escolha do local e itinerário, reservando as maiores condicionantes para o segundo comunicante, pelos motivos óbvios se forem oponentes nas intenções".

Porém, a PSP disse que, quando ainda estava a fazer a análise de risco, soube pela comunicação social que "a iniciativa promovida pelo movimento Vida Justa teria alterado o percurso do desfile e o terminus do mesmo, por sua livre iniciativa e sem esperar pelo parecer".

Com essa alteração, "atendendo às características físicas e sociais dos espaços comunicados para as concentrações e respectivos desfiles, a PSP entende que, embora exista algum risco para a ordem e segurança públicas relativamente ao horário das iniciativas ser coincidente, estão reunidas as condições de segurança necessárias para a realização dos eventos".

A PSP ressalva, no entanto, "que continua a recolher informação e a acompanhar os desenvolvimentos referentes às iniciativas agendadas para amanhã, nomeadamente através de fontes abertas. Esta monitorização e recolha contínuas de informação permitem avaliar os potenciais riscos associados às iniciativas e planear a operação policial mais adequada e ajustada às necessidades de segurança de todos os intervenientes e de terceiros".

Além disso, a PSP lembra que de acordo com a lei, a autoridade administrativa é a CML, limitando-se a PSP à emissão de parecer com base em critérios técnicos policiais, incluindo a análise e avaliação do risco.

O PÚBLICO também tentou obter esclarecimentos por parte da Câmara Municipal de Lisboa sobre este assunto, mas ainda não obteve resposta.

Em Fevereiro, Moedas proibiu manifestação

Recorde-se que em Fevereiro, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, com o fundamento de falta de segurança, decretou a proibição da manifestação promovida por Mário Machado, contra a islamização da Europa, convocada para o Martim Moniz.

Na altura, o presidente da Câmara de Lisboa fundamentou a sua decisão com um parecer emitido pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República em 2021 sobre as competências dos presidentes de câmara. O texto foi publicado no Diário da República do dia 28 de Outubro de 2021 e sublinha que compete ao presidente da câmara “em casos extremos, proibir determinada reunião, manifestação, comício, desfile ou cortejo, dentro dos pressupostos e requisitos muito estritos que se encontram no n.º 2 do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 406/74”.

Refere o artigo 13 do mencionado decreto que, “solicitando quando necessário ou conveniente o parecer das autoridades militares ou outras entidades, poderão, por razões de segurança, impedir que se realizem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos de 100 m das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos”. A este propósito, soube-se ainda que o autarca tinha na sua posse um parecer da PSP. Nesse parecer a PSP informava a autarquia que “atendendo às características sociais e físicas do espaço”, entendia que existia “um risco elevado para a ordem e segurança públicas, não estando assim reunidas as condições de segurança necessárias para a realização do evento”.

Entretanto, esta sexta-feira de manhã, a ministra da Administração Interna disse que o Governo vai manter os operacionais no terreno, mas sem especificar os locais e o número de efectivos envolvidos na segurança nos bairros da Grande Lisboa.

Margarida Blasco, que esteve presente na abertura da conferência sobre segurança aeroportuária que decorreu no Ministério da Administração Interna, adiantou que “desde o primeiro momento convocou o Sistema de Segurança Interna e que tem estado em coordenação a acompanhar as acções no terreno.

A ministra demonstrou ainda apoio às forças de segurança. Queria expressar toda a minha solidariedade, apreço e apoio a todos aqueles que estão no terreno, nomeadamente, todos os homens e mulheres da PSP, declarou a ministra.

Desde o princípio da semana que se verificam desacatos no Bairro do Zambujal, depois da morte de Odair Moniz, após ter sido baleado por um agente da PSP, na Cova da Moura, em circunstâncias que ainda estão a ser investigadas pela Polícia Judiciária (PJ). Entretanto, os tumultos alargaram-se a outros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados autocarros, automóveis e caixotes do lixo.

Mais de uma dezena de pessoas foram detidas, o motorista de um autocarro sofreu queimaduras graves e dois polícias receberam tratamento hospitalar, havendo ainda alguns cidadãos feridos.