Pobres estão mais pobres em Portugal. Governo estuda a criação da Prestação Social Única

Taxa de risco de pobreza subiu pela primeira vez em sete anos. Intensidade da pobreza também sofreu o maior aumento desde 2012. Uma nova Prestação Social Única já está referida no Orçamento do Estado

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Maria Teresa de 61 anos e o filho de 30 anos receberam ordem de despejo do quarto de favor que partilhavam desde ha três anos. Na altura foram despejados da casa onde viviam. Não são elegíveis para habitação social, segundo a Domus Paulo Pimenta
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Os pobres em Portugal estão ainda mais pobres, segundo uma análise da Pordata destacada esta quinta-feira, 17 de Outubro. A subida da taxa de risco de pobreza pela primeira vez em sete anos, que passou de 16,4% em 2021 para 17% em 2022, aliou-se a uma maior intensidade da pobreza. "Verifica-se o maior aumento desde 2012, de 3,9 pontos percentuais, situando-se nos 25,6% em 2022 (contra 21,7% em 2021)", observaram os técnicos da base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Portugal tem 2,1 milhões de pobres, mas foi no grupo de crianças e jovens que a taxa de risco de pobreza mais se agravou, bem como nas famílias com crianças dependentes, refere a Pordata em comunicado, sublinhando "o maior aumento da taxa de intensidade de pobreza da última década". Quase um terço das famílias monoparentais com crianças dependentes vive com menos de 591 euros por mês.

A taxa de intensidade de pobreza mede a distância do rendimento mediano da população em risco de pobreza, face ao valor do limiar da pobreza, ou seja, a profundidade da pobreza. "Em Portugal, metade dos pobres tinham, em 2022, um rendimento monetário disponível 25,6% abaixo da linha de pobreza e esta profundidade aumentou face a 2021", lê-se no documento divulgado pela Pordata, no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.

Um em cada 10 trabalhadores é pobre, o que deve ser encarado como "um factor de preocupação". A incidência da pobreza no grupo dos desempregados, que tinha diminuído entre 2020 e 2021, voltou a subir: 3,3 pontos percentuais, face a 2021. De acordo com a Pordata, trata-se de "uma das subidas mais elevadas da última década", com excepção do ano de pandemia.

Numa análise à evolução da pobreza e factores associados, a Pordata sublinhou também que, em 2023, Portugal viu mais do que duplicar o preço de compra das casas, comparativamente a 2015, muito acima do valor registado a nível da União Europeia, de 48%. "Confrontando este aumento com a variação da remuneração média dos trabalhadores por conta de outrem, verificamos que, face a 2015, os salários em Portugal aumentaram 35%, muito aquém do aumento de 105% das casas", constataram os estatísticos.

Quase 40% da população vive em agregados sem capacidade para substituir mobiliário ou pagar uma semana de férias. Da mesma forma, 30,5% da população não tem capacidade para fazer face a uma despesa inesperada, sem recorrer a empréstimo.

A avaliação da Pordata teve por base os dados mais recentes disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

O conforto térmico das habitações continua a ser um ponto crítico, uma vez que, no contexto europeu, Portugal se destaca pela negativa, reportando, a par de Espanha, "a mais elevada proporção" de pessoas a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida: 20,8%, ou seja, uma em cada cinco pessoas. No extremo oposto do ranking europeu está o Luxemburgo, onde apenas 2,1% dos habitantes reportam esta dificuldade económica.

Governo estuda Prestação Social Única

Segundo a coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, o Governo está a estudar, com o apoio da OCDE, a implementação da Prestação Social Única (PSU). Em entrevista à Lusa, Sandra Araújo adiantou que "está um estudo em curso" sobre a Prestação Social Única, que tem o "envolvimento de uma equipa da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] ".

Segundo a responsável, a equipa da OCDE "está a apoiar Portugal no levantamento da grande panóplia de medidas na área das transferências dos apoios sociais". "Tenho alguma expectativa relativamente ao valor acrescentado que esta prestação pode vir a trazer para o país se ela for de facto implementada", disse Sandra Araújo.

A Prestação Social Única chegou a ser anunciada pelo anterior Governo, quando a pasta do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social estava com Ana Mendes Godinho, para entrar em vigor em 2024, com o objectivo de garantir o acesso mais simples e directo à protecção social para cidadãos em situação de vulnerabilidade. A PSU englobaria o Rendimento Social de Inserção (RSI), o Complemento Solidário para Idosos (CSI), os subsídios sociais de parentalidade e as pensões sociais do regime não contributivo.

No Orçamento do Estado para 2025, o actual Governo também inclui a PSU, justificando que dessa forma dá continuidade ao caminho da "simplificação e unificação de prestações sociais".

Sandra Araújo explicou que a medida terá, por um lado, uma componente monetária, atribuindo um valor que "permita às pessoas viver com dignidade", e, por outro, um trabalho de redução do "estigma que muitas vezes está associado a estas medidas para populações mais pobres e vulneráveis".

A responsável defendeu que é preciso não só quebrar o estigma como garantir a acessibilidade, salientando que há já medidas que são atribuídas automaticamente, como por exemplo o abono de família, e que isso é uma forma de contornar a falta de literacia. Lembrou, no entanto, que num processo de digitalização é preciso não esquecer que nem todas as pessoas têm acesso a internet ou a equipamentos.

Defendeu, por outro lado, a necessidade e a importância da participação das pessoas mais vulneráveis ou em situação de pobreza na criação e implementação das políticas públicas das quais vão ser beneficiárias.

Apesar de admitir que isso possa tornar os processos mais lentos e que iria exigir capacitação e qualificação, Sandra Araújo defendeu que iria traduzir-se em "melhores políticas e políticas mais adequadas". "E vai traduzir-se na restituição do valor da dignidade daqueles que são os sujeitos de direitos e seria um reforço inclusivamente da democracia porque ela acaba também por ficar em perigo se nós não dermos igualdade de oportunidades aos cidadãos e garantirmos a participação cidadã", rematou.