Pedro da Linha: “No meio da tristeza, é bonito podermos dançar”

Pedro da Linha juntou o cante alentejano e as músicas de baile e electrónicas lusófonas, num DJ set inédito a encerrar o Futurama.

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Pedro da Linha
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No encerramento do festival Futurama, em Beja, o sempre arrojado Pedro da Linha juntou o cante alentejano e as músicas de baile e electrónicas lusófonas, num DJ set inédito. Entrevistámos o co-produtor dos últimos discos de Ana Moura e Pedro Mafama.

Está há algum tempo a tentar introduzir o cante nas suas produções electrónicas. Porque decidiu juntar estes dois universos?
Começou durante a minha pesquisa para os discos da Ana Moura e do Pedro Mafama. Até mesmo do EU.CLIDES, que, sem ser tão descarado, também tem muita influência destes ritmos e desta história portuguesa. Mas acho que quando percebi mesmo que esta junção em concreto podia resultar – e traduzir-se numa música de pista – foi na altura em que se fez a Estrada do Pedro Mafama.

Como é que essa percepção inicial evoluiu para o set deste sábado, no Futurama, tão focado no cante? Foi uma encomenda da organização?
Sim. Esta é a terceira edição do Futurama em que participo. A primeira foi em 2022, com um projecto que fiz no âmbito do MIL com o [cantor espanhol] Álvaro Romero, uma fusão do flamenco com ritmos mais portugueses, mas também com afro-house e kuduro. E, em 2023, também fui convidado para fazer um trabalho de recolha de grupos de cante constituídos por jovens.

Normalmente, é uma coisa de pessoal mais velho e queríamos ser um pouco disruptivos. Só que houve alguns infortúnios, com os próprios grupos de Serpa, e o trabalho acabou por ir-se fazendo ao longo do tempo. Se bem que deu para estabelecer um primeiro contacto. Algumas das músicas que tenho aqui hoje até foram cantes que me foram recomendados por eles. Porque havia muitas modas que não estavam na internet, mas eles sabiam mais ou menos onde podia encontrá-las, quer fosse num CD físico de recolhas, ou num livro. E agora programámos mais ou menos o que não aconteceu no ano passado, que era trabalhar essas recolhas e apresentá-las ao vivo. Acontece agora, mas num DJ set, com outras músicas em que tenho estado a trabalhar nestes últimos anos, juntamente com o que deveria ter acontecido [em 2023] e foi acontecendo ao longo do ano.

Quão difícil foi meter o cante num set para as pessoas dançarem?
É um trabalho muito difícil de executar porque, se não tiveres uma relação directa com os grupos de cante ou os grupos corais da região, tens muito poucas recolhas efectivamente gravadas e sampladas. Mas deu para reunir uma pastinha com algumas coisas, tratadas por mim, mas mais com o intuito de pista e não propriamente uma canção que possas ouvir em casa ou assim. Embora também tenha isso, sinto que não é apropriado para hoje. E são coisas que precisam de ser mais trabalhadas. Estas, do Futurama, para mim são canções muito específicas, pois cada uma lembra uma cena de despedida. Há uma tristeza nestas músicas que cabe muito bem num ritmo de dança. Estou há muito tempo, em nome próprio e com os outros artistas, a mostrar que é possível dançar triste. Que, no meio da tristeza, é bonito podermos dançar.

Já passou modas alentejanas em sets anteriores. A abordagem desta vez foi diferente?
É a primeira vez que faço isto de uma forma muito assumida. Naquelas noites que faço no Musicbox, nas Arrebita, tento pôr uma dica ou outra ali pelo meio, que não se nota tanto, é só mais um apontamento. Desta vez estou mesmo a assumir a moda como ela é.

Essas músicas para ouvir em casa, que ainda precisam de ser mais trabalhadas, vão ser editadas algum dia? Sei que vai lançar um disco ainda este ano.
O que vou lançar ainda antes do fim deste ano, em Novembro, é um EP pela Enchufada. Maioritariamente, com música de pista. Depois vai sair um disco com outra abordagem, que tenho estado a finalizar, no primeiro semestre [de 2025]. E esse só não vai ter algum cante se, por qualquer motivo, em termos de direitos, não for possível. Terá, pelo menos, algumas ideias que se baseiam muito no cante.

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