Sem prevenção, “vamos acabar por ser um país de velhos, gordos e doentes”

“Não haverá SNS que aguente a pressão de uma população com mais de 60% de pessoas idosas, doentes e a precisar de cuidados crónicos”, avisa Francisco Goiana da Silva.

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Francisco Goiana da Silva defende que o Estado devia definir um preço mínimo para o álcool PAULO PIMENTA
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Francisco Goiana da Silva defende a criação de novas parcerias público-privadas (PPP) com dimensão, que possam gerir, por exemplo, "três ou quatro unidades de saúde locais", argumentando que o Estado continuará a ser o dono e terá sempre a possibilidade de voltar atrás.

Afirma que defender que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem que ser 100% público é lírico. Porquê?
O sistema de saúde está extremamente desequilibrado. Há um desequilíbrio marcado em termos de atractividade, das contrapartidas e condições de trabalho que o sector privado tem a oferecer aos profissionais e, portanto, das duas uma: ou ignoramos esta realidade e o sector privado vai continuar a canibalizar os recursos que são públicos (e o público, dada a burocracia da legislação, nunca vai conseguir competir) ou aproveitamos a actual janela de janela de oportunidade para, através da criação de novas parcerias público-privadas [PPP], reequilibrar o sistema e trazer a capacidade e flexibilidade do sector privado para dentro do SNS.

Mas as PPP hospitalares não funcionaram bem em Portugal.
Funcionaram muito bem para os utentes e o Estado. O Tribunal de Contas concluiu isso, tal como as populações. Por exemplo, em Loures o próprio presidente de câmara, que é de uma cor política oposta a privatizações, queria que a PPP continuasse. Mas a ruptura no passado também ocorreu por falta de proactividade do Governo, as motivações da ministra Marta Temido foram políticas e não técnicas. Agora, o modelo das PPP era muito complexo de fiscalizar e era financiado por produção. Hoje temos um modelo de financiamento muito mais moderno, que compramos e trabalhamos com a Universidade de Hopkins, que funciona por cálculo do risco, que vai dizer quanto vale a saúde de cada cidadão daquela região. É um modelo próximo do usado pelas seguradoras, o que significa que há um incentivo para manter as pessoas saudáveis. E isto é que é a grande inovação.

Como é que o negócio privado da saúde pode estar interessado em manter as pessoas saudáveis?
Não há grande interesse para os actuais players, que só têm hoje de esperar sentados que o SNS colapse. Mas vivemos num mundo global e os grupos privados precisam de escala, e agora, se forem lançados concursos com dimensão, que até poderão ser para grupos de três ou quatro ULS [unidades locais de saúde], certamente haverá grupos internacionais interessados em vir para cá. As PPP não são parcerias de privatização, o Estado continua a ser o dono e tem sempre a possibilidade de dizer que, se não correr bem, passa a público de novo.

Tem-se batido por uma maior aposta na promoção da saúde e na prevenção até porque, se tal não acontecer, avisou, vamos acabar por ser um país de velhos, gordos e doentes.
Qualquer projecção matemática permite perceber que, com a combinação diabólica entre a tendência de envelhecimento, os estilos de vida e a prevalência de doenças crónicas desde a infância em Portugal, não haverá sistema que aguente. Não haverá SNS que aguente a pressão de uma população com mais de 60% de pessoas idosas, doentes e a precisar de cuidados crónicos. Se nada for feito, vamos mesmo acabar por ser um país de velhos, gordos e doentes. A resposta tem de estar na prevenção, que deve ser a prioridade dos governos e dos ministérios. Isso, sim, são políticas. E os operadores privados que lucram à custa de danos, a médio e longo prazo, na saúde dos cidadãos, têm de contribuir para o SNS.

Contribuir como?
O custo para a saúde de um pacote de batatas fritas para a sociedade tem que estar imputado no seu preço. Todos concordam que o tabaco tem que ser taxado, mas ninguém fala do consumo de álcool em Portugal. Os portugueses consomem mais álcool do que os russos. Os vinhos de pacote e as cervejas vendidas aos estudantes universitários abaixo do preço da água deviam ser proibidos num país desenvolvido. O Estado devia definir um preço mínimo por volume. E as nossas crianças deviam fazer uma hora de exercício físico moderado ou intenso por dia nas escolas. Isso é absolutamente prioritário.

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