O IRC ideológico

Este texto não pretende ser um genuflexório perante a baixa de impostos. É sobre competitividade, é sobre simplificação e é sobre fundamentação das políticas.

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Discutimos de novo o IRC ideológico, discutimos o lucro, o “grande capital”, as táticas político-partidárias por detrás da política. É cíclico. Mas era importante não esquecer o essencial: o IRC, o acréscimo de taxas e contribuições, e a sua complexidade, prejudicam o crescimento das empresas e da economia como um todo.

No entretanto, e no meio da pré-época orçamental, foi lançado o estudo sobre o contexto fiscal no sector empresarial Economia Acorrentada: O sufoco fiscal que afeta as nossas empresas, do Instituto Mais Liberdade, cujo título não leva ninguém ao engano. O facto mais emblemático talvez seja este: somos o país com o IRC mais elevado da Europa, quer na taxa máxima, quer na taxa efetiva. A principal conclusão do estudo deveria ser já óbvia para todos: a taxa do imposto sobre os lucros das empresas em Portugal deveria estar mais próxima das dos nossos competidores diretos. Ainda para mais, num país com carências competitivas, carências de produtividade e de especialização (e, como tal, de salários dignos).

O problema não é apenas o valor elevado da carga fiscal. É também a complexidade fiscal e burocrática. No cumprimento das obrigações fiscais, alcançamos o terceiro lugar europeu. Juntam-se, aqui, os custos de contexto, a morosidade na justiça, a instabilidade legislativa. Um outro estudo recente, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Impacto do IRC na Economia Portuguesa, revelou um dado impressionante: ao longo das últimas três décadas, o Código do IRC foi alvo de 1355 alterações!

O sistema é um emaranhado de regras muitas vezes acessíveis somente com ajuda de consultores e complexos programas de incentivos que servem mais para otimização fiscal. Em cima disto, temos uma política mais agressiva e penalizadora de remunerações e de dividendos. Ou seja: barreiras à entrada, complexidade no desenvolvimento empresarial, desincentivo ao crescimento e penalização nos resultados. Como é que um tecido empresarial resiste a estas condições ? Ou como é que se atrai capital estrangeiro? Convenhamos, o sol e a boa gastronomia não compensam tudo o resto.

Em cima do IRC há outras taxas. Há múltiplas derramas municipais e derramas estaduais que agravam a tributação. Recordemos: Portugal é o país da UE com mais taxas adicionais sobre os rendimentos empresariais.

Na prática, o imposto sobre as empresas é progressivo, e pouco importa que a Constituição reserve a progressividade apenas para o rendimento pessoal. Afinal, também temos contribuições extraordinárias, que acabaram por se tornar permanentes e regulares, e casos de dupla tributação à margem do espírito e da letra da lei.

Claro que há sempre espaço para argumentos falaciosos. “Há empresas que não pagam IRC”, ignorando a tributação autónoma e outras taxas e taxinhas. Desconsidera-se ainda a realidade do tecido empresarial: o objetivo de uma pequena mercearia é assegurar o sustento digno de uma família, e não deve ser julgada por não atender às expectativas de grandiosidade ou de exportação. A função económica e social dessas empresas é existir para sobreviver.

Este texto não pretende ser um genuflexório perante a baixa de impostos. É sobre competitividade, é sobre simplificação e é sobre fundamentação das políticas.

Na política económica e fiscal há três problemas recorrentes. Primeiro, muitas decisões são baseadas em "achismos" ou intuições, sem apoio em factos ou estudos aprofundados, o que enfraquece a eficácia das políticas. Segundo, há uma tendência para se ignorar as leis económicas. E, terceiro, a política pública, muitas vezes, prioriza "sound bites" ou sinalizações de virtude, em vez de se basear em fundamentos sólidos e em evidências, prejudicando o desenvolvimento de soluções sustentáveis, e é agravada pela falta de visão e prevalência dos ciclos curtos políticos. O IRC é só mais uma vítima. Deixou de ser entendido como uma política económica para ser uma luta ideológica e guerrilha de virtude – é o IRC ideológico.

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico

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