A ModaLisboa vai procurar mais apoio do Estado para as semanas da moda do próximo ano. A presidente da associação, Eduarda Abbondanza, avança ao PÚBLICO que vão pedir apoio aos ministérios da Economia ou da Cultura, no próximo ano, para fazer face à diminuição do apoio da Câmara Municipal de Lisboa (CML), que co-organiza semestralmente o evento. “Devíamos estar a escalar e foi uma grande tensão interna fazer esta edição. A cidade começa a oferecer outras oportunidades e temos de acompanhar”, declara a responsável.
Nos últimos anos, a ModaLisboa, co-organizada pela CML desde a sua génese em 1991, era financiada com 700 mil euros anuais. Ou seja, 350 mil euros em cada edição, de Março e Outubro, para cobrir custos como o arrendamento do espaço, os modelos que desfilam ou a equipa de produção e bastidores — cerca de 600 pessoas envolvidas. Em Março deste ano, esse valor foi reduzido para 325 mil euros e agora, na 63.ª edição, a arrancar nesta quinta-feira e que se prolonga até domingo, 13 de Outubro, o orçamento camarário será de 300 mil euros, informa a responsável.
O valor não está discriminado no relatório anual de contas do município, já que é sempre decidido individualmente para cada edição nas reuniões camarárias. A 20 de Setembro, na reunião, cuja deliberação o PÚBLICO teve acesso, foi aprovado o financiamento desta 63.ª edição (com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, e do Livre; contra do BE e dos vereadores independentes; abstenção do PCP), salvaguardando a diminuição gradual do valor concedido à associação.
“A Associação ModaLisboa prevê um reforço da visibilidade conferida aos seus parceiros – sectoriais, industriais e comerciais – e, consequentemente, um incremento no valor das receitas associadas a patrocinadores, o que permite, uma vez mais e à semelhança da edição anterior, assumir uma diminuição do valor da comparticipação financeira do município de Lisboa, sem, no entanto, comprometer a natureza, as características e o âmbito do evento”, determina a proposta assinada pelo presidente, Carlos Moedas.
Eduarda Abbondanza diz não saber qual será o orçamento do próximo ano, mas queixa-se que o investimento da autarquia se tem vindo a revelar insuficiente para todas as despesas e projectos em curso. “Fizemos cortes na própria organização e cortámos um dia de desfiles no Pátio da Galé”, observa, referindo-se aos custos envolvidos na produção dos desfiles neste espaço, que são substituídos por eventos noutros locais, como no Museu do Design e da Moda (Mude) ou na Sociedade Nacional de Belas Artes. “É uma consolidação difícil de fazer. Já tínhamos um orçamento à pele e tivemos de fazer esta gestão diferente”, insiste.
É como se a ModaLisboa estivesse num ponto de estagnação por falta de financiamento, queixa-se. “Nascemos no meio de uma cidade parada. E agora, no meio de tantas mudanças, queremos aproveitar o lado bom do crescimento. Há uma mudança clara: os clientes vão à loja temporária da ModaLisboa e já não acham caras as peças dos criadores nacionais. É a altura certa para isto avançar”, defende.
Durante os últimos 30 anos, as semanas da moda têm sido financiadas com o erário camarário e com investimento privado, num caminho que a responsável sublinha ser de cada vez menor dependência, já que “os patrocínios já ultrapassam o dinheiro público” — há um ano, em Outubro de 2023, o evento custou quase 800 mil euros. Todavia, os patrocínios também se refrearam, como aconteceu na pandemia ou agora porque “há muita coisa a acontecer em Lisboa”.
Para dar o salto, seria necessário um apoio governamental, que pode ser das tutelas da Cultura ou da Economia, como acontece noutros países, sugere. “As semanas da moda internacionais são apoiadas porque há uma visão mais ampla do ponto de vista económico. Aqui nós continuamos a ser vistos como uma coisa marginal”, lamenta. “Esta é uma área que precisa ser apoiada. O ensino da moda está a crescer, temos escolas internacionais a abrir cá. Mas o crescimento tem de ser estruturado.”
Retorno económico
De acordo com o jornal económico italiano Il sore 24 ore, a Semana da Moda de Milão feminina gera cerca de 80 milhões de euros em cada edição, organizada pela Camera Nazionale della Moda Italiana. Fundada por um grupo de criadores e empresários de moda, a associação salvaguarda nos seus estatutos que conta com financiamento público, apesar de ser politicamente independente.
Em Paris, de acordo com o Instituto Francês da Moda (IFM, na sigla original), estima-se que as seis semanas da moda anuais (alta-costura, masculina e feminina) movimentem dez mil milhões de euros. A Fédération de la Haute Couture et de la Mode, que organiza o evento, conta com representantes das principais casas de moda e dos conglomerados de luxo, mas recebe apoio do Conselho Nacional da Indústria.
O caso de Portugal pode não ser comparável, dada a dimensão do sector da moda de autor. Em 2020, a autarquia lisboeta encomendou um estudo sobre o retorno económico de cada edição da ModaLisboa, mas os resultados nunca chegaram a ser conhecidos antes da mudança partidária no concelho (agora liderado por Carlos Moedas da coligação Novos Tempos).
A Universidade Católica Portuguesa conduziu um estudo semelhante para o Portugal Fashion (PF), prévio à crise instalada no evento de moda do Porto, que levou ao seu cancelamento. Antes da pandemia, cada evento gerava dez milhões de euros e criava 400 postos de trabalho. Desde 2016 até 2022, enquanto esteve em vigor o quadro comunitário Portugal 2020, a Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) recebeu cerca de 20 milhões euros em fundos europeus — que não foram usados em exclusivo pelo PF, que recorria a cerca de 450 mil euros de dinheiro público (metade do orçamento de 900 mil euros) em cada edição sazonal.
A ModaLisboa não tem acesso ao mesmo tipo de fundos europeus de coesão por estar inserida na região metropolitana de Lisboa, que tem um produto interno bruto (PIB) acima da média europeia, ao contrário da região metropolitana do Porto — ainda que as duas regiões juntas representem quase dois terços do PIB nacional. Em 2018, as duas semanas de moda chegaram a assinar um acordo de cooperação, para unirem esforços com foco na internacionalização, mas a parceria cessou com o fim do quadro comunitário que a suportava.
Assim, a alternativa de apoio público para a associação ModaLisboa seria através do Governo. Eduarda Abbondanza afiança que essa não é, contudo, a única hipótese que a organização tem em vista e vai avaliar “mais opções” de crescimento para a associação que reúne nomes da moda nacional como Ana Duarte (DuarteHajime), Béhen, Carlos Gil, Constança Entrudo, Dino Alves, Nuno Baltazar, Luís Carvalho ou Luís Buchinho. “É um estrangulamento que não se justifica, derivado da falta de compreensão de quem decide”, resume.