7 de outubro de 2023: um ano ou setenta e seis anos depois?

O 7 de outubro de 2023 não é justificável, desculpável, ou admissível, mas tudo o que vimos depois disso também não o é.

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7 de outubro de 2023. Militantes do Hamas surpreenderam as autoridades de Israel e realizaram uma das ações mais brutais e desumanas contra civis israelitas e de outras nacionalidades. O 7 de outubro vitimou mais de 1200 pessoas, outras 250 foram feitas reféns, espalhadas por diversos pontos da Faixa de Gaza.

O 7 de outubro de 2023 foi um despertar duro, para Israel e para o mundo, para a realidade de que a perceção de segurança é apenas isso mesmo: perceção. O Governo de Israel, que enfrentava há meses uma onda de protestos populares de grande escala contra uma reforma judicial que ameaçava delapidar as bases democráticas do Estado de Israel, viu-se confrontado com um novo desafio: como responder?

Um ano depois, a resposta ainda não é clara, mas algumas coisas são: o 7 de outubro de 2023 começou a desenhar-se com a nakba (êxodo) de 1948, que levou a que mais de 750.000 palestinianos, cerca de metade da população árabe dos territórios palestinianos, se tornassem refugiados na Jordânia, Síria, Líbano ou deslocados internos adstritos à Faixa de Gaza e à Palestina.

Em junho de 1967, na Guerra dos Seis Dias, desenhou-se um pouco mais do esquisso que seria o 7 de outubro. O Estado de Israel ganhou território disputado com a Síria, o Egito, a Jordânia e os territórios da Palestina; e a causa palestiniana sofreu outro revés.

Em Nova Iorque, na sede da ONU, mergulhada pelas profundas divisões causadas pela Guerra Fria, a diplomacia tentava avançar com a implementação da solução dos dois Estados, a solução enunciada desde 1937, pela Comissão Peel, como a única capaz de dirimir a tensão entre israelitas e palestinianos.

A solução eternamente adiada abria as portas a três gerações de palestinianos céticos quantos aos processos e mecanismos formais da diplomacia, que não protege aspirações, que não assegura promessas e que não salva as vidas dos inocentes. A solução adiada foi pintando, de antemão, com tons de sangue e cinza, o 7 de outubro de 2023.

Veio a Primeira Intifada, a radicalização profunda do movimento de libertação palestiniana, o começo do longo túnel sem luz à vista; vieram os Acordos de Oslo que se materializaram num punhado de areia, que escorreu pelos dedos de quem não a conseguiu agarrar ou de quem nunca a quis ter na mão. Cada lado fez o que quis, mas a areia de Oslo desapareceu…

Sem Estado, com colonatos nas terras que deveriam ser suas e apartheid na sua vida coletiva, veio a Segunda Intifada, e logo depois a tentativa de legitimar com eleições, o que não se legitimava na via diplomática. Ficcionar um Estado que ainda não era estava fadado a produzir o mesmo que os Acordos de Oslo: um punhado de nada e outro de coisa alguma. As resoluções do Conselho de Segurança sucederam-se umas às outras, mas as mais recentes tiveram o mesmo fado que as anteriores. Imobilismo.

Adiava-se, adiando o adiamento. E pintava-se um pouco mais do 7 de outubro de 2023. Veio a invasão do Líbano e o adensar da cisão da causa palestiniana. E chegou o 7 de outubro de 2023. A surpresa, a dor, a revolta. E depois a raiva. Os mais de 1200 mortos geraram já quase 42.000 mortos adicionais e mais 2000 ainda, se não esquecermos o Líbano.

As Nações Unidas, já sem Guerra Fria e com demasiados conflitos inflamados, voltaram a ficar paralisadas. Não por falta de vontade da maioria, mas porque poucos têm forma de silenciar muitos. E o imobilismo continua imóvel. Haveria outra forma de escrever isto? Haveria, claro.

Poderia relembrar as quase 30 resoluções do Conselho de Segurança da ONU que estão por cumprir; poderia relembrar que em janeiro de 2024 já o Tribunal Internacional de Justiça admitia a “plausibilidade de genocídio cometido pelas autoridades de Telavive”; poderia relembrar a incapacidade de se defender direitos humanos e direito humanitário, quando se criam bolhas de isenção que “rebentarão” contra nós num futuro próximo.

Haveria outra forma de escrever esta crónica? Haveria, claro que sim. Mas também haveria outra forma de agir, bastando para isso cumprir com a promessa de 1937. Partição territorial. Porque é que apenas um dos lados conseguiu o que lhe prometeram? O 7 de outubro de 2023 não é justificável, desculpável, ou admissível, mas tudo o que vimos depois disso também não é.

No 7 de outubro de 2023 jogámos a coerência do sistema internacional pós-Guerra Fria. Como disse o primeiro-ministro da Jordânia recentemente, a segurança de Israel depende apenas de voltarmos a 1937 e a 1948 e de permitirmos que se cumpra o que não se cumpriu. Dúvidas, tenho poucas, se a Palestina não surgir não triunfará ninguém.

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