No Cícero Bistrot, a cozinha de Alessandra Montagne encontra a arte de Cícero Dias

A chef brasileira, que fez sucesso em Paris, chega ao Cícero Bistrot, em Campo de Ourique, Lisboa, para cruzar os lados brasileiro e francês da sua cozinha com um lado português.

Foto
Alessandra Montagne vai ser a nova chef do restaurante Cícero Daniel Rocha
Ouça este artigo
00:00
03:49

“É tudo em mise en place, ’tá, meus amores? Não precisa se preocupar, d’accord?” Alessandra Montagne, chef brasileira a viver em Paris há mais de duas décadas, está a dar instruções à sua equipa no Cícero Bistrot, o restaurante no bairro lisboeta de Campo de Ourique, que vai passar a ter a sua assinatura a partir do dia 1 de Novembro.

O menu está definido, agora é só ir treinando os empratamentos, e para isso conta com a chef executiva, que será o seu braço direito em Lisboa, Ana Carolina, ou Carol, como todos lhe chamam, que é também sócia de Paulo Dalla Nora, no Cícero, restaurante que é igualmente galeria de arte e ponto de encontro e tertúlia para brasileiros e portugueses.

O restaurante que se tornou famoso por ter sido visitado pelo Presidente do Brasil, Lula da Silva, durante a sua passagem por Lisboa, em Novembro de 2022, quer agora dar um salto e passar de bistrô para um conceito “mais gastronómico”. Para isso, afirma Paulo, Alessandra Montagne era a escolha perfeita.

A chef, que fez sucesso em Paris com os restaurantes Nosso e Tempero e se prepara para abrir um novo projecto no Museu do Louvre, tem, acredita Paulo Dalla Nora, muito em comum com o pintor modernista brasileiro Cícero Dias, que o restaurante homenageia no nome. Apesar de virem de origens sociais muito diferentes, ambos deixaram o Brasil e partiram para França, onde refizeram as suas vidas, numa relação nem sempre fácil com o país onde nasceram.

Enquanto orienta os empratamentos, Alessandra tenta compor o cabelo e ri da maquilhagem que lhe fizeram para as fotos. “Imagina, uma cozinheira deste jeito, toda arrumada, isso não existe!” Mas, quando se trata de fotografar os pratos, preocupa-se por já estarem montados há um tempo e pede para fazer de novo a sobremesa, inspirada precisamente na pintura de Cícero Dias.

Foto
A equipa do Cícero com Alessandra Montagne Daniel Rocha

“Criei esta sobremesa de limão pensando num dos quadros de Cícero”, conta. “Quero fazer uma cozinha mais criativa, mais colorida, com uma relação com o lugar, a obras de arte, o modernismo. É um desafio.”

Quem visitar o Cícero a partir de Novembro vai encontrar um espaço um pouco diferente — a redução do número de lugares de cerca de 40 para 22 tem como objectivo criar um ambiente mais intimista — e com um preço médio de 90€ (sem bebidas) um pouco acima do que tinha até agora. Tudo isso faz parte do reposicionamento do restaurante, explica Paulo Dalla Nora.

Não haverá menu de degustação, mas sim uma possibilidade de optar entre vários pratos — foi pensado para que cada pessoa escolha uma entrada, um principal e uma sobremesa — que cruzarão os lados brasileiro e francês da cozinha de Alessandra Montagne, com, agora, um lado português. Como, descreve a chef, o polvo com chouriço, que criou inspirada por sabores mais portugueses, ou o bacalhau com couve na manteiga branca de verbena e arroz negro. E uma deliciosa barriga de porco confitada, com raiz de aipo bola fumada, jus de porco e beterraba.

Foto
Alessandra Montagne Daniel Rocha
Foto
Alessandra Montagne faz testes com o empratamento Daniel Rocha

“A minha é uma cozinha que se adapta”, explica Alessandra. “Aqui em Portugal vou trabalhar com produtores nacionais, que fazem comida biológica, que respeitam a terra. Por exemplo, a gente está pensando fazer uma polenta com queijo, mas será queijo de um produtor daqui.”

Paulo Dalla Nola adianta que a carta de vinhos, elaborada pelo sommelier Rudolfo Tristão, sofrerá também algumas alterações, com a entrada de vinhos mais topo de gama, mas manter-se-á 95% portuguesa, com algumas, poucas, referências francesas.

Alessandra abana os caracóis e decide apanhar o cabelo para as fotografias. Atrás do balcão da pequena cozinha do Cícero, chama o resto da equipa para o seu lado. “Sem eles, isto não existe. Um chef nunca trabalha sozinho”, diz, com o um enorme sorriso a iluminar-lhe o rosto. “Ela é o Cícero Dias da gastronomia”, diz Paulo, sorrindo também. “Não é a única chef brasileira em Paris, mas nenhuma outra tem a história dela.”

Sugerir correcção
Comentar