Douro enviou para a destilação de crise 30% da litragem nacional. Não houve rateio

Impedidas as candidaturas de quem importou vinho do estrangeiro nas últimas três vindimas, não houve necessidade de rateio no apoio à destilação de crise e execução de verbas ficou nos 98%.

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Até sexta-feira, o Douro já vindimou 77 milhões de litros de vinho; na destilação de crise 'deitou fora' 10,5 milhões de litros de colheitas anteriores Anna Costa
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Na destilação de crise deste ano — a quarta nos últimos cinco anos e "a única na Europa a ser apoiada com verbas comunitárias", ressalva o Governo —, os valores que haviam sido anunciados foram praticamente esgotados pelas candidaturas abrangidas, tendo sido registadas "taxas de utilização na ordem dos 98%", mas não houve necessidade de proceder a um rateio, como aconteceu no passado. Tudo indica que assim foi por terem sido impedidas, pela primeira vez, empresas que tivessem importado vinho do estrangeiro nas últimas três vindimas.

O PÚBLICO pediu um balanço da medida ao Ministério da Agricultura e Pescas e, na resposta, o gabinete de José Manuel Fernandes indicou que, por decisão tomada e comunicada pelo Instituto da Vinha e do Vinho ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, aos beneficiários e às entidades certificadoras, no passado dia 2 de Setembro, foram destilados quase 35 milhões de litros de vinho que estava parado em adegas de todo o país, "num apoio global de 18,2 milhões de euros", entre comparticipação da União Europeia e verbas nacionais.

Só a região demarcada do Douro, a braços com uma crise económica e social sem precedentes, é responsável pela destilação de 10,5 milhões de litros de vinho, 30% do total nacional, recebendo para tal um apoio de quase 8 milhões de euros. Dos 7,9 milhões de euros que a medida custou no Douro, 3,5 milhões saíram do orçamento do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP).

"Foi garantido que os operadores que tivessem adquirido, ou comercializado, vinho proveniente de outro Estado-membro ou país terceiro, nas campanhas vitivinícolas de 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024, não tiveram volumes aprovados para destilação", sublinha o gabinete de José Manuel Fernandes na resposta enviada. Concluindo o seu ministério que essa "intervenção está a ser eficaz": "Os vinhos aprovados para destilação são de facto os excedentes nacionais, que careciam de apoio excepcional."

Da análise dos números remetidos ao PÚBLICO pelo ministério resulta que houve, contudo, quem tivesse tentado a sua sorte, mesmo não sendo elegível. Sem sucesso. Na informação da tutela, é referido que "os volumes propostos à intervenção" totalizavam "40,2 milhões de litros" de vinho, o que corresponderia a um "apoio potencial total de 16,9 milhões de euros". Houve, portanto, 5 milhões de litros que não respeitariam as regras do apoio.

No Douro, essa diferença esbate-se: o volume total proposto pelos operadores foi de "10.700.881 de litros" e a candidaturas de facto aprovadas "totalizaram 10.535.701 litros". O recurso ao saldo de gerência do IVDP, no tal montante de 3,5 milhões de euros, permitiu pagar mais 33 cêntimos por litro de vinho DOP ou IGP a destilar — o resto do país recebe 42 cêntimos por litro.

Segundo aquele instituto, no Douro "foram estabelecidos 66 contratos". Questionado sobre quais as empresas que beneficiam da maior fatia do apoio pago por dinheiros públicos, o IVDP escusou-se a partilhar tal informação, explicando apenas, e em vez disso, que as verbas são pagas aos destiladores (66 operadores) que depois pagam aos produtores que lhes levaram o vinho para destilação.

O PÚBLICO inquiriu as cinco maiores casas exportadoras sobre este assunto. Sogevinus e Symington não responderam, apesar da insistência.

A Granvinhos pôde destilar 1,4 milhões de litros. O seu administrador, Jorge Dias, explicou, por escrito, ao PÚBLICO que o apoio permitiu comprar aos viticultores a mesma quantidade de uvas que em 2023 (13 mil toneladas), "apesar de o montante de benefício ter diminuído 13,5%", mas que, pelo facto de haver "cerca de 50 mil pipas anuais que não têm mercado", está em causa da "sustentabilidade da região". "As únicas maneiras de se reduzir a produção são, conjunturalmente, a destilação e a vindima em verde e, estruturalmente, o arranque e reorientação de produção e, sobretudo, estimulando a procura com mais e melhor promoção."

The Fladgate Partnership e Sogrape responderam não se ter candidatado à medida. Quer uma quer outra dizem não ter reduzido a compra de uva aos agricultores. A dona da Taylor's acrescentou "três novos viticultores, nas imediações da Quinta do Portal", às mais de 70 parcerias que mantém. A Sogrape também "admitiu novos" fornecedores, refere o seu administrador executivo, Miguel Pessanha, sublinhando que a empresa "é conceptualmente contra a destilação de crise, sobretudo para resolver problemas estruturais de desadequação entre a oferta e a procura", e defende antes "adequar a oferta à procura, nomeadamente a área de plantação de cada tipo de uva".

Entre as cooperativas de maior dimensão, Santa Marta de Penaguião, que ainda tem pela frente quatro anos de Processo Especial de Revitalização, e Alijó, gerida desde 2017 pelo grupo Abegoria, não foram à destilação de crise. Sabrosa candidatou 200 mil litros. Régua (Caves Vale do Rodo) tem 750 sócios e este ano aceitou novos, embora não o tenha promovido. Destilou 400 mil litros na destilação de crise. E Vila Real, cooperativa que tem seis milhões de litros de vinho dentro de portas em conta-corrente e este ano se muniu de mais reservatórios de grande capacidade, não respondeu ao contacto do PÚBLICO.

O IVDP tem estado nas estradas da região a controlar os movimentos de uvas e produtos vínicos e, garante o Ministério da Agricultura e Pescas, a "acompanhar as vindimas no interior e no exterior da região demarcada", verificando "o cumprimento das regras do comunicado de vindima, nomeadamente o preenchimento e envio" àquele instituto dos registos de entrada de uvas. "Foram também desencadeadas reuniões de aproximação e criação de sinergias com a Comissão Vitivinícola da Região dos Vinhos Verdes", território vizinho do Douro, "com a Guarda Nacional Republicana e com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica".

Segundo o gabinete de José Manuel Fernandes, até esta sexta-feira, as equipas de fiscalização a efectuar controlos na região tinham percorrido "13.012 km" e contavam com "235 registos de entrada de uvas controlados, 79 viaturas controladas e 11 controlos qualitativos a mais de 700 mil litros de aguardente", produto vínico necessário à fortificação do vinho do Porto.

Nota o ministério que, "até ao momento, não há quaisquer irregularidades ou infracções a registar" no Douro, onde há "245 instalações vínicas a vinificar, com 268 entidades vinificadoras", que já entregaram aproximadamente o equivalente a 140 mil pipas de vinho, ou seja, 77 milhões de litros.

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