Pode ter falido, mas as caixas em plástico serão forever Tupperware

A Tupperware é um símbolo feminista porque ajudou muitas mulheres ora a encontrar um rendimento extra, ora dando-lhes uma rede social antes das redes sociais.

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Há marcas que marcam. A Tupperware é uma delas. É certo que todas as marcas almejam desempenhar uma função distintiva, uma função de qualidade e uma função publicitária. Mas há um punhado delas que, pela sua notoriedade e absoluto sucesso, se transformam em algo mais, passando a sinónimos do produto ou serviço que pretendem distinguir. Para o Direito, estas marcas quase que deixam de o poder ser, porque se tornam na designação usual no comércio do produto ou serviço para que foram registadas, como consequência da atividade, ou inatividade, dos proprietários. Do ponto de vista publicitário, parece ser o golpe perfeito. Ou talvez não…

Dão as notícias conta de que, após anos marcados pela incerteza económica, à qual nem uma campanha de marketing dirigida ao público mais jovem permitiu fazer face, a marca fundada em Massachusetts, em 1946, pelo químico Earl Tupper declarou falência. É um golpe duro para os trabalhadores e colaboradores da Tupperware, muitos deles em Portugal. Mas é sobretudo a queda de um ícone doméstico (quem não tem lá por causa ou é legítimo herdeiro de dois ou três… ou muitos… tupperwares) e de um símbolo feminista.

O sucesso da marca e dos seus recipientes herméticos ficou a dever-se a dois fatores essenciais: a qualidade do produto, revolucionário e superior a tudo o que existia nos anos 50; e o inovador modelo de vendas diretas através das famosas "demonstrações ao vivo" ou "reuniões da Tupperware". Apesar de não existirem lojas físicas, rapidamente os recipientes plásticos de todas as cores e feitios conquistaram o mundo, marcando presença em 100 países e passando a fazer parte do imaginário nacional. A certa altura, a Tupperware virou moda.

Para que se tenha ideia, e segundo uma interessante peça do Diário de Notícias, em 2017 a Tupperware tinha em Portugal uma rede de 15 mil "consultoras", responsáveis pelas vendas boca a boca. Esta impressionante rede feminina significou muito para muitas mulheres no nosso país: desde logo, uma fonte de rendimento principal, numa altura em que a participação feminina no mercado de trabalho era ainda baixa, ou um rendimento adicional para complementar magros orçamentos domésticos.

Depois, as "reuniões da Tupperware", quase sempre entre vizinhas, colegas, conhecidas e amigas, à mesa da cozinha ou na sala de estar das "consultoras", representavam um importante momento de socialização, de comunhão e de estreitamento de laços. Aí se partilhavam agruras e sucessos, se davam conselhos e raspanetes e se transmitia de geração em geração um certo saber prático de experiência feito.

A Tupperware é um símbolo feminista justamente porque ajudou muitas mulheres ao longo das décadas ora a encontrar um rendimento extra, ora dando-lhes uma rede social antes das redes sociais e um sentido de pertença a uma comunidade de interesses e experiências comuns. Pode parecer pouco, mas num mundo, como o nosso, em crescente atomização, talvez seja uma das coisas que mais falta nos fazem.

Claro está que nem tudo são rosas. Refém de uma marca de prestígio por todos reconhecida, a Tupperware não foi capaz de se adaptar a um mercado extremamente competitivo e em permanente inovação, onde os produtos concorrentes não só se vendem em qualquer lado, como são de qualidade equivalente ou superior e a um preço mais baixo. Por outro lado, a Tupperware acabou por ser vítima do seu próprio sucesso e da qualidade dos seus produtos… Temos ainda recipientes com 20 anos em bom estado, o que se traduz numa baixa taxa de substituição e, logo, em menos vendas.

Na Era Digital, os modelos de negócio analógicos como o da Tupperware, por mais que se tenha tentado dar um ar jovem e moderno às velhas reuniões, transformando-as em “parties Tupperware”, só têm duas opções: adaptam-se ou definham. Infelizmente, a Tupperware, à semelhança do que está a acontecer com muitas marcas, não soube fazer uma transição para o espaço digital, capitalizando a marca e o produto, o que certamente não teria sido difícil se pensarmos na febre das marmitas de trabalho e das garrafas de água plásticas, tudo novas modas do pós-covid.

Resta-nos a consolação de saber que a empresa até pode ter falido, mas que os recipientes em plástico serão Tupperware forever.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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