O que fazer para mudar o paradigma do combate aos fogos florestais?

Temos cerca de 450 corpos de bombeiros, para 308 concelhos. São demasiados, perdemos operacionalidade e aumentamos custos. Ou mudamos de paradigma ou qualquer dia temos quartéis de bombeiros fechados.

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O fogo na Madeira foi assunto de notícias, como é habitual nestas circunstâncias, mas continuamos a não falar do essencial. A presença de uma força conjunta, composta de vários elementos, enviada do continente foi essencial. Pessoal especializado, apeado e equipado com material “simples” de sapador fez a diferença. Mas ao mesmo tempo gente altamente preparada, que usa também as novas tecnologias de análise e comportamento dos incêndios, uso do fogo, de drones, de dados da meteorologia, e cartografia aplicada ao apoio à decisão operacional, para saber o que fazer e antecipar o que pode acontecer. Mais do que analisar o que aconteceu, é preciso mudar e terminar o que de muito se fez, apesar de tudo, até agora. Porque a verdade é que fizemos muito desde 2017. Assim deixo algumas sugestões. Acho que ando por cá à tempo suficiente para ter “direito” a opinar com alguma propriedade.

  • Reforço de operacionais e mudança de paradigmas da Força Especial de Proteção Civil (FEPC), que já agora se deveria voltar a chamar Força Especial de Bombeiros. A FEPC deve ter mil a 1100 elementos e a Unidade de Emergência de Protecção e Socorro (UEPS)/Grupo de intervenção de Protecção e Socorro (GIPS) devem ficar com cerca de 300 operacionais com capacidades de intervenção direta e sobretudo em áreas muito específicas como montanha, matérias perigosas, etc. Ou seja, mudamos os números atuais. O pessoal hoje da UEPS reforça o Sepna (Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente) da GNR e faz aquilo que faz muito bem: prevenção. Os postos necessitam de pessoas, a GNR necessita de reforçar os seus operacionais e estas pessoas podem e devem prevenir e isso sabem fazer como ninguém.
  • Regresso da FEPC aos helicópteros, ou seja, aos meios aéreos de primeira intervenção, incluindo a criação de brigadas helitransportadas específicas para guarnecer e rentabilizar os futuros meios aéreos de combate a incêndios da Força Aérea Portuguesa (FAP), os Black Hawk.
  • Criação de Equipas de Intervenção Permanentes (EIP) florestais nos corpos de bombeiros. Equipas essas que devem fazer prevenção estrutural em estreita ligação com os Gabinetes Técnicos Florestais dos municípios e podem intervir na estabilização de emergência após os fogos e ao mesmo tempo participar no combate ampliado quando e se for necessário. Integração do pessoal e equipamento da Força de Sapadores Bombeiros Florestais do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e Florestas) na FEPC. Aliás o mesmo a fazer em relação à UEPS/GIPS no que toca a equipamentos. Como em tudo na vida, não pode haver muita gente a mandar no mesmo assunto. O ICNF deve ter profissionais para prevenir e intervir após os incêndios e não ser uma nova força de combate. As EIP florestais podem e dever articular com o ICNF parte da sua intervenção anual.
  • Dotar a Agif (Agência de Gestão Integrada de Fogos Rurais), que é importante, de uma nova mentalidade. “Fartinho” de gente que sabe sempre tudo, mas nunca sabe o que fazer quando é preciso.
  • Criar uma carreira para os profissionais nos corpos de bombeiros voluntários definindo a forma de progressão e valores a receber em todo o país. Se tiver de haver solidariedade nacional através de transferência de verbas que se faça isso. Até porque os concelhos mais pobres são por norma do interior e é ai que estão os ativos florestais e ambientais. Nesta carreira terão de constar os elementos das EIP.
  • Compra de meios aéreos a serem colocados na dependência da Força Aérea com características diversas, ou seja, uso misto, militar e civil, acompanhado de reforço da dotação de pilotos e pessoal técnico. Resolvíamos o problema dos "hélis" do INEM, busca e salvamento, fogos florestais, etc., assim como dotávamos a FAP de maior capacidade militar. Algo urgente. Mas com uma condição simples e objetiva: em missões civis, quem manda são os civis, e não os militares. A cadeia de decisão tem de ser direta e não longa. Em tempo de paz, a Proteção Civil “manda” e os outros ajudam. Em tempo de guerra “mandam” os militares e outros ajudam. Se fosse assim, todos sabiam como fazer quando é preciso fazer. No final isto não custa muito mais. Aliás custa até menos, porque o custo ambiental nunca é aqui incluído quando se diz o que ardeu e quais os seus prejuízos.
  • Fusão e concentração de corporações de bombeiros. Deve haver incentivos a isso, sobretudo financeiros. Temos cerca de 450 corpos de bombeiros, para 308 concelhos. São demasiados e com isso perdemos operacionalidade e aumentamos custos. Ou mudamos de paradigma na proteção e socorro ou, então, um destes dias teremos quartéis de bombeiros fechados. E são os bombeiros dos corpos voluntários o suporte do socorro em Portugal. Nesse dia o cenário será pior, muito pior, do que o de ter urgências fechadas.

Portugal continua a ser um país onde todos nos mobilizamos, e bem, quando é preciso fazer, e fazemos muitas vezes, “milagres”. Mas continuamos também a ser um país onde quem faz leis e decide não conhece o terreno. A desculpa que Bruxelas não deixa já não serve.

O fogo na Madeira terá uma comissão de inquérito. Haverá relatórios de peritos, daqui a uns anos alguém escreverá um livro.

No final, faltará agradecer a quem, no terreno, fez o que mais ninguém conseguia fazer, com o risco da sua própria vida. Aos que vão mesmo sabendo que podem não voltar, mas vão sempre… obrigado.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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