SNS Animal: uma quimera que dá votos ou queremos mesmo ajudar os animais?

Já existe um programa de apoio às famílias carenciadas e detentoras de animais de companhia, assim como para os animais que vivem nos centro de recolha oficiais, denominado cheque veterinário.

Ouça este artigo
00:00
06:50

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Hoje os animais de companhia têm um papel fundamental na vida de muitos portugueses. Na crescente tendência de concentração urbana da população, acabamos por manter o tão ancestral vínculo homem-animal, decidindo ter um animal de estimação nos nossos lares urbanos.

Para se ter uma ideia, segundo dados recentes (Relatório Anual da Fediaf - Federação Europeia da Indústria de Alimentação Animal, 2023), em 39% das famílias portuguesas existe pelo menos um cão e em 33% pelo menos um gato, fazendo com que Portugal esteja acima da média europeia que é respetivamente de 25% e 26%. Sinal inequívoco de que os animais assumem um papel central em quase metade das famílias. Ter um animal, implica dedicação de tempo pessoal, de meio físico apropriado e de recursos financeiros para garantir a alimentação, cuidados básicos e médico-veterinários.

Tal como acontece em outras áreas como a habitação, a educação, a saúde oral e humana, a literacia, a justiça, entre outras, a classe social a que cada português pertence acabará por influenciar o acesso aos diferentes patamares de cuidados, e no caso específico, os cuidados médico-veterinários.

De uma forma cada vez mais frequente e reconhecendo a diversidade social portuguesa, diferentes interlocutores políticos têm falado na criação de hospitais animais públicos ou de centros veterinários comunitários para ajudar a população carenciada detentora de animais de companhia a garantir os cuidados médicos veterinários de forma tendencialmente gratuita ou gratuita. Por outras palavras, a criação de um Serviço Nacional de Saúde Animal (SNSA).

Quanto custaria ao país a criação de um SNS Animal?

Desde logo o SNS Animal teria de ser realmente nacional, garantindo a existência de pelo menos um hospital por distrito, preservando a equidade regional, mesmo que haja assimetrias evidentes entre distritos. Portanto, teríamos pelo menos 18 hospitais animais distritais no continente, e pelo menos mais um hospital por cada região autónoma, mesmo sabendo que estaríamos a discriminar as ilhas onde não fossem instalados hospitais SNSA.

Construir um hospital veterinário de médio tamanho de raiz custará em média um 1,5 milhões de euros. Para o SNS Animal arrancar em toda a sua plenitude, precisaríamos de um investimento de cerca de trinta milhões de euros.

Em termos de recursos humanos, numa fase de arranque precisaríamos de pelo menos de uma equipa de cerca de 15 profissionais, entre receção, auxiliares, enfermeiros veterinários e médicos veterinários. Ou seja, precisaríamos de cerca de trezentas pessoas para uma cobertura nacional.

Nos primeiros anos, manter cada hospital do SNS Animal custaria mais de meio milhão de euros anuais, ou seja, dez milhões de euros por vinte hospitais veterinários públicos.

Somando o arranque, com o primeiro ano, o Estado teria de fazer um investimento de cerca de 40 milhões de euros, cerca de metade do orçamento anual da Direção Geral de Alimentação e Veterinária.

Quem seriam os detentores de animais que poderiam recorrer ao SNS Animal?

Seriam considerados só os detentores carenciados segundo uma tabela de avaliação baseada em critérios da Segurança Social? Ou seriam aceites todos os detentores?

E quais seriam os valores das taxas moderadoras dos serviços? Seria o SNS Animal desenhado para cobrir todas as patologias médicas, das preventivas até às mais complexas, incluindo meios de diagnóstico tecnologicamente avançados? E medicina e cirurgia estado de arte com recurso a medicamentos veterinários inovadores?

As taxas moderadoras do SNS Animal incluiriam IVA?

Sendo a profissão médico-veterinária, a única profissão médica alvo de IVA, IVA de 23%, como é que o Estado cobraria esse IVA a si próprio nas taxas moderadoras? Ou será que se isentaria, continuando a taxar as demais estruturas existentes?

E como o Estado conseguiria contratar e reter médicos veterinários no SNS Animal?

Na atualidade, presenciamos diariamente enormes dificuldades de fixação de profissionais de saúde, enfermeiros e médicos no SNS, mesmo com carreira especial, legislação laboral específica e diferentes áreas de especialização. No caso do SNS Animal, como conseguiriam reter os médicos veterinários, que nem sequer têm reconhecida uma carreira especial na administração pública, que faça jus às suas responsabilidades e importância da profissão para a cadeia de valor da saúde animal? E no caso da Medicina Veterinária, as oito instituições de ensino contribuem para um dos mais elevados ratios de médicos veterinários formados em relação à população do país, não havendo falta de médicos veterinários recém-formados, mas sim ausência de condições laborais adequadas às suas expetativas, sobretudo de horário de trabalho e salariais.

Perante estas questões, seguramente a criação de um SNS Animal baseado em dois ou três hospitais animais públicos urbanos serviria essencialmente para um aproveitamento populista de votos para os concidadãos mais desatentos, sem noção da complexidade do que seria criar um SNS Animal.

“Pois pá, é só paleio pá”, como recitaria José Mário Branco, porém… E se vos dissesse que o embrião do SNS Animal já existe? Que há um programa de apoio às famílias carenciadas e detentoras de animais de companhia, assim como para os animais que vivem nos centro de recolha oficiais (CRO), denominado cheque veterinário.

Afinal o que é o cheque veterinário?

Trata-se de uma rede de mais de quatrocentos centros veterinários distribuídos pelo continente e ilhas que apoiam os municípios aderentes na prestação de cuidados médico-veterinários a animais de famílias carenciadas e CRO.

São mais de quarenta municípios aderentes, incluindo municípios de diferentes características e dimensões, desde Lisboa até Almeida, por exemplo, e que ativamente apoiam os animais mais necessitados. Desde o início da plataforma informática do cheque veterinário, cerca de 15 mil cheques foram atribuídos pelos municípios.

E quanto tem custado aos municípios o cheque veterinário?

Desde 2020 até julho do corrente ano, foram disponibilizados pelos municípios à volta de 1,4 milhões de euros, para ajudar milhares de animais. Cada município faz a triagem da situação, atribuindo um cheque veterinário, permitindo o acesso aos detentores dos animais e animais em CRO a uma rede nacional de cuidados, envolvendo medicina preventiva, cirúrgica, de urgência e diagnóstico.

Assim, os municípios (indiretamente o Estado) não necessitam de investir em novas estruturas, nem contratar e gerir recursos humanos ou fazer a manutenção das unidades de saúde animal. Toda a verba orçamental é aplicada no que mais importa, nos cuidados médico-veterinários necessários para garantir a saúde animal.

Para concluir, fazendo uma conta rápida com os dados acima partilhados, imaginem quantos animais seriam beneficiados pelos 40 milhões estimados para a fundação de um SNS Animal, aplicados no cheque veterinário, sem necessidade de criar qualquer tipo de estruturas e contratação de recursos humanos? Mais de 400 mil animais!

Realmente queremos ajudar os animais, ou vamos simplesmente apelar ao voto?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 3 comentários