O que querem calar sobre a TAP

Quem ganhou o dinheiro que a TAP perdeu com este negócio? Essa foi uma pergunta que ficou por responder na CPI – tal como a “pergunta dos 55 milhões” que a IGF agora também destacou.

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Esta semana foi notícia o Relatório da Auditoria da Inspeção-Geral de Finanças às contas da TAP. Foi notório o esforço na bolha mediática para tentar apagar a memória de tudo o que havia já sido apontado, denunciado, sobre a privatização da companhia. Mas mais significativa ainda é a forma como se faz tudo para assobiar para o lado quanto às reais consequências que daí têm de ser retiradas.

O relatório da IGF expressamente menciona: o processo de auditoria em causa resultou da recomendação do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à tutela política da gestão da TAP. Ora, essa recomendação foi aprovada por proposta do PCP, e deu origem a um trabalho aprofundado que veio confirmar em toda a linha as conclusões e os factos apurados na CPI. A questão é que tem de haver consequências de tudo isto.

A IGF conclui que a TAP foi comprada com o dinheiro da própria TAP, com as implicações criminais que daí se colocam. Uma importante conclusão, já apurada pela CPI. Importa não esquecer que já em 2015 houve quem tivesse alertado para um processo de privatização inaceitável na forma e no conteúdo. Quase dez anos sobre a data do cometimento dos crimes, o seu reconhecimento tornou-se inevitável, mas as consequências – políticas e outras – não existem.

Bem pelo contrário, ainda ecoa a confirmação deste crime contra os interesses nacionais e já de novo um governo PSD/CDS está a negociar, nas costas do povo português e da Assembleia da República, uma nova privatização. Isso mesmo é confirmado pela presença em Portugal, por estes dias, dos representantes da Lufthansa para negociar com o Governo português a privatização da TAP. E não deixa de ser significativo que uma das principais responsáveis políticas pelo encobrimento desta criminosa privatização – a então ministra das Finanças – acabe de ser proposta para a Comissão Europeia.

A IGF conclui também que o ruinoso negócio da Manutenção Brasil, com que anos a fio confrontámos sucessivos ministros, de governos Sócrates, Passos e Costa, custou à TAP e ao País 960 milhões de euros entre 2005 e 2022. Este é um prejuízo (agravado durante a gestão privada da TAP) que por si só, permite explicar o grosso dos prejuízos do grupo TAP no período, já que a TAP SA foi lucrativa nessa fase, como continua a ser hoje. Mas quais as consequências?

Por que razão os sucessivos governos do PS e do PSD/CDS ignoraram os alertas do PCP e continuaram a apoiar essa medida? Quem ganhou o dinheiro que a TAP perdeu com este negócio? Essa foi uma pergunta que ficou por responder na CPI – tal como a “pergunta dos 55 milhões” que a IGF agora também destacou. Não houve explicações para esse pagamento a Neeleman, determinado por decreto-lei do Governo PS/Costa.

A verdade ficou à vista: enquanto alguns deputados, editores e comentadores se dedicavam a tentar entreter o país com as zaragatas no ministério, os resgates do computador e os telefonemas do ministro, houve quem não desistisse de colocar no centro do debate as opções de fundo que determinaram a vida de uma empresa estratégica e dos seus trabalhadores. Apesar do manto de silenciamento – que ainda hoje permanece, mais insidioso até – sobre o trabalho realizado de investigação, inquérito e apuramento, mais uma vez a realidade veio dar razão ao que então apontámos.

Para lá dos inenarráveis episódios a que tentaram reduzir este processo, houve um momento particularmente significativo, em que os partidos foram chamados a decidir sobre o trabalho que iriam levar a cabo no inquérito parlamentar: logo no debate sobre a própria criação da CPI, o PCP defendeu que fossem cabalmente apuradas as práticas da gestão privada e os contornos da privatização. Que devia ficar definido esse âmbito à partida, preto no branco, na deliberação da AR. Quem é que votou contra? Partido Socialista, Bloco de Esquerda e Chega. Mas a realidade impôs-se, e o processo de privatização da TAP não ficou de fora da CPI.

Entretanto, estão ainda para chegar as respostas do primeiro-ministro que, questionado por escrito pelo PCP a 12 de julho (na passagem de um ano sobre a conclusão dos trabalhos da CPI), veio pedir a prorrogação do prazo, para responder a perguntas que ainda estão por esclarecer.

Que medidas adotou a Segurança Social face à existência reconhecida – e agora confirmada pela IGF – de fugas aos descontos devidos por parte de um conjunto de administradores durante a gestão privada da companhia? Que diligências efetuou ou vai efetuar o Governo junto da União Europeia para que se investigue o papel da Airbus no processo de privatização de 2015? Qual o resultado dessas diligências? Esta matéria em concreto foi aliás tratada também nas recomendações da CPI ao Governo.

Mas, face a tudo o que tem vindo a ser apurado, o que se exige é que haja consequências ao nível político. Da parte do PS (e não só), o que se conclui é a costumeira fulanização: questionam se este ministro das infraestruturas é a pessoa indicada para conduzir o processo de privatização da TAP. São as prioridades que ficam à vista.

As opções políticas indispensáveis neste processo devem ser em defesa da TAP e do interesse público, e não um “reset” para uma privatização. Pelo contrário: o que se coloca é a necessidade de travar a privatização da companhia.

A TAP faz falta ao país. Continua a ser um dos maiores exportadores nacionais, seguramente o maior exportador no sector dos serviços, e pode desenvolver-se para uma capacidade maior em áreas de enorme valor acrescentado como a manutenção e engenharia. A TAP é respeitada à escala global pela qualidade e segurança da sua operação, e é um caso muito sério de concorrência no caminho de grupos estrangeiros como a Lufthansa, a Air France/KLM ou a IAG (British Airways, Iberia, etc.). Não admira que a queiram comprar, certo? Já vimos esse filme com a Sorefame e tantas outras…

O que é preciso é criar condições para que a TAP possa desenvolver a sua atividade. Valorizar os seus trabalhadores, as suas carreiras, salários, condições de trabalho. Acabar com os bloqueios e com as discriminações negativas que a têm penalizado – desde logo na operação aeroportuária. O escândalo que é a gestão privada da Vinci nos aeroportos nacionais tem na TAP um dos principais lesados, particularmente em Lisboa onde está a base da companhia. Também é no futuro da TAP que pensamos quando dizemos que é preciso avançar rapidamente e de forma bem planeada com a construção do Novo Aeroporto, nos terrenos públicos do atual Campo de Tiro da Força Aérea. Mas há problemas sérios que não podem ser ignorados e exigem resposta séria e definição quanto ao futuro: é o caso do handling com a SPdH Groundforce, é o caso da Portugália Airlines.

Já ninguém consegue negar esta evidência: das vezes que a TAP foi privatizada, se tivesse ficado nas mãos do privado, ela já não existia. Foi assim com a Swissair, foi assim com Neeleman. A TAP existe porque está na esfera pública. Não basta: há que fazer da sua gestão um fator de desenvolvimento, e não de preparação a novas privatizações. Agora que está capitalizada, resolvido que está o problema da Manutenção Brasil, em suma, agora que já a pagámos… ficamos sem ela?

Há quem defenda que se mude de ministro para defender a privatização. Mas o que é preciso é mudar de política para defender a TAP e o interesse nacional. Podem querer silenciar quem teve e tem razão, mas a realidade tem muita força.

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