Ecoansiedade

Aparentemente, este ano os areais das praias recuaram porque no inverno passado houve tempestades consecutivas e a costa não teve tempo de se regenerar

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Foram umas férias estupendas, cheias de sol, sal e mar; uma sucessão fabulosa de dias sem fazer nada de produtivo a não ser existir. E, no entanto, não foram tão silly como desejaria. Duvidei da normalidade das marés que cobriam com grandes lençóis de água os antes generosos areais. Estranhei as pequenas praias a que sempre fui e que agora revelavam um leito pedregoso. Quando procurei ouriços-do-mar, em que tantas vezes me piquei ao caminhar pelas poças por entre as rochas, não vi nenhum – terão migrado? No caminho para a praia, a bica de água doce encontra-se, pela primeira vez, completamente seca. O vento persistente e arrepiante, o sol a estalar mal a brisa baixava; o denso nevoeiro que submergiu a vila, num outono antecipado; o terramoto que me acordou pela madrugada fora – tudo contribuiu para um verão, no mínimo, original. Posso ser eu, pensei, que padeço de sintomas agudos de ecoansiedade, vendo alterações climáticas para onde quer que olhe. Ou pode ser que se comecem a ver a olho nu décadas de desistência face a sucessivos alertas.

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“Duvidei da normalidade das marés que cobriam com grandes lençóis de água os antes generosos areais.”

Em 1938, um engenheiro britânico recolheu registos de emissões de dióxido de carbono de 147 estações meteorológicas em todo o mundo, estimando que as temperaturas globais tinham subido 0,3°C nos 50 anos anteriores e que, com larga probabilidade, as emissões industriais eram responsáveis pelo aquecimento registado. Os seus resultados foram contestados porque uma larga maioria da comunidade científica julgava improvável que as atividades humanas pudessem afetar um sistema tão vasto como o clima. As estimativas de 1938 coincidem com os valores atuais.

Vinte anos mais tarde, em 1958, um jovem geoquímico comparou as quantidades de CO2 na água e no ar. Ao longo de cinco anos fez medições diárias no topo do vulcão Mauna Loa, no Havai, concluindo que as concentrações de CO2 estavam a aumentar e que tinham origem comprovada na combustão fóssil. Em 1968, glaciologistas americanos alertam para o facto de o aquecimento global poder vir a provocar o colapso das camadas de gelo do Antártico. O aviso só é levado a sério quando a enorme plataforma de gelo denominada Larsen A se desmorona, em 1995. Seguiu-se a queda da plataforma de gelo B, em 2002, e em 2017 registou-se uma extensa fenda na Larsen C. Em 1985, uma equipa de cientistas franceses, a partir de perfurações no gelo, revela que os níveis de CO2 na atmosfera e a temperatura subiram e desceram em conjunto nos últimos 150 mil anos.

Em 1992 divulga-se que o CO2 reage com a água do mar, formando ácido carbónico, que aumenta a acidez dos sistemas oceânicos. O ião carbonato deixa de estar disponível para formar carbonato de cálcio, fundamental para a estruturação dos corais e de todas as criaturas que formam conchas, incluindo ostras, mexilhões e amêijoas, com destaque para um dos mais frágeis entre todos: o ouriço-do-mar.

Aparentemente, este ano os areais das praias recuaram porque no inverno passado houve tempestades consecutivas e a costa não teve tempo de se regenerar. Desde 2003 que se sabe que o aquecimento dos mares aumenta a incidência de tempestades, logo, as marés que galgam os areais, ainda que em segundo grau, são consequência de alterações no clima oceânico. Em 2024 é possível calcular, com muita precisão, o impacto do aquecimento global nas secas, nas ondas de calor, em tempestades e inundações.

Tenho vindo a olhar para este pedaço de costa alentejana, que há 46 verões me acolhe, como um sítio exuberante e robusto. Este ano isso mudou. Senti-lhe o pulso, instável, sensível, quebrado.

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