Tracy Otto, Jodie Grinham e Ali Truwit: três histórias de superação nos Paralímpicos
Tracy Otto foi atacada pelo ex-namorado e ficou paralisada, agora ficou noiva e anunciou a gravidez em Paris. Já a nadadora Ali Truwit foi vítima de um ataque de um tubarão apenas há um ano.
Têm sido apelidados de “revolução da inclusão”. Ao longo de dez dias, mais de mil atletas enfrentam-se nos Jogos Paralímpicos em Paris, incluindo 27 portugueses de dez modalidades que já arrecadaram várias medalhas. Além da excelência desportiva, estes atletas destacam-se pelas suas histórias de superação: da arqueira que ficou paralisada depois de um ataque do ex-namorado, à primeira grávida a vencer uma medalha olímpica, até à nadadora que foi atacada por um turbarão.
Do ataque ao noivado e à gravidez
A história de Tracy Otto tem sido uma das mais partilhadas ao longo desta edição dos Paralímpicos. Por estes dias, a arqueira tem dois motivos para celebrar: ficou noiva junto à Torre Eiffel e vai ser mãe. A gravidez foi anunciada na mesma publicação onde mostrava o pedido de casamento em Paris com o noivo Ricky Riessle ajoelhado junto à cadeira de rodas com um anel de noivado em riste. “Temos guardado um segredo”, escreveu na legenda, detalhando que o bebé nasce já em Janeiro.
Nas fotografias da competição, destaca-se a barriga proeminente da norte-americana que é parte da equipa de tiro com arco dos EUA. “Posso não ter ganho uma medalha hoje, mas vou para casa com algo brilhante”, partilhou, juntamente com uma fotografia do anel de noivado.
Mas o noivado ou a gravidez não são o único motivo por que Tracy Otto tem sido notícia nestes Jogos Paralímpicos, que são a primeira participação olímpica da atleta depois de cinco anos de vida turbulentos. A arqueira ficou paralisada em Outubro de 2019, na sequência de um ataque do ex-namorado enquanto dormia na sua casa em Tampa, na Florida.
Tracy e o ex-namorado haviam terminado a relação há um ano e a jovem tinha começado a sair recentemente com Ricky Riessle. “Lembro-me de me virar para ficar confortável na cama e, de repente, ouço um barulho alto e vejo uma lanterna na minha cara”, relata a atleta à BBC. Foi então que reconheceu a voz do ex-namorado, que a tinha visto a dormir com o novo companheiro através da janela e foi comprar uma pistola para invadir a casa.
“Ele gritava-nos para sairmos da cama. Disse-nos que nos ia matar e que, se não se matasse, iria chamar a polícia”, reaviva. Depois, seguiu-se uma torrente de socos, um tiro no olho direito e uma facada na parte de trás do pescoço. Tracy foi, ainda, agredida sexualmente durante o ataque, enquanto Ricky Riessle foi alvejado no rosto e esfaqueado também na região do pescoço. Depois, o atacante ligou à polícia a dizer que “matou a namorada e o novo namorado dela”.
O agressor foi condenado a 40 anos de prisão pelo ataque, mas Tracy ficou com sequelas para toda a vida. Ficou paralisada e deixou de conseguir regular a temperatura do corpo, além de traumas internos, incluindo problemas na bexiga e nos intestinos. “É mais do que apenas a paralisia e a cadeira de rodas que se vê no exterior, há muita coisa a acontecer no interior que já não funciona. O meu diafragma também está paralisado... Não consigo regular a temperatura do corpo, o que significa que já não consigo suar”, lamenta a arqueira, declarando que o tiro com arco adaptado, que começou a frequentar em Março de 2021, foi a sua tábua de salvação.
A primeira grávida medalhada
Mas Tracy Otto não é a única arqueira grávida a competir nos Paralímpicos. A britânica Jodie Grinham está grávida de cerca de sete meses, mas nem isso a impediu de levar o bronze na prova individual feminina de tiro com arco e o ouro na prova de equipa ao lado de Nathan Macqueen. De acordo com a organização, foi mesmo a primeira grávida a subir ao pódio na história dos Jogos.
“Tudo o que eu queria fazer no final era pôr-me aos saltos e chorar, gritar e berrar. Mas, como estou grávida, a melhor coisa a fazer era agachar-me e esperar um pouco e depois podia dar abraços e outras coisas”, declarou à BBC no rescaldo da final desta segunda-feira.
Participar nos Jogos Paralímpicos foi um risco para Jodie Grinham, natural do País de Gales, que teve um bebé prematuro em 2022. O filho Christian nasceu às 28 semanas de gestação, mas a arqueira decidiu não se render ao medo e avançou para a competição, até porque não queria adiar nenhum dos sonhos. “Cheguei a um ponto em que não queria deixar de ter um bebé ou dar prioridade à minha carreira. Porque é que não havia de poder ter as duas coisas?”, reflecte.
Já em Paris, Jodie passou por um pequeno susto, quando o bebé deixou de se mexer e foi levada para o hospital. Mas o bebé estava “perfeitamente saudável” e, nesta segunda-feira, enquanto a mãe vencia o ouro, fez-se sentir. “O bebé ainda não parou de dar pontapés. É como se estivesse a dizer ‘o que se passa? Está muito barulho, mãe. O que estás a fazer? Mas tem sido um óptimo lembrete da grande bolha de apoio que tenho na minha barriga.”
Nadadora amputada
Foi o facto de saber nadar tão bem que salvou a vida de Ali Truwit. No Verão do ano passado, a jovem de 24 anos viajou com a amiga Sophie Pilkinton até às ilhas Turcos e Caicos para celebrarem o final do curso de Medicina na Universidade de Yale. Foi durante uma tarde de snorkelling que o impensável aconteceu. Enquanto nadavam de volta para o barco, um tubarão aproximou-se rapidamente delas e, apesar de terem tentado escapar, Truwit foi mordida na parte inferior da perna, perdendo um pé.
Apesar do ferimento, Ali Truwit, que já era nadadora profissional, nadou de volta para o barco e, graças aos conhecimentos médicos de ambas as amigas, Pilkinton fez-lhe um torniquete, que fez com que não se esvaísse em sangue. Depois do socorro inicial num hospital local, foi transportada para os EUA onde foi submetida a três cirurgias, incluindo a amputação da perna direita abaixo do joelho.
Sempre se sentiu como um peixinho de água e, apesar de o acidente ter acontecido no mar, foi dentro da piscina que fez a sua recuperação. “Confiei nas histórias de superação das outras pessoas para me ajudar a manter o que parecia ser uma esperança ousada e irrealista — lutar contra um tubarão e sobreviver, perder um membro e participar nos Jogos Paralímpicos, tudo num ano”, declara numa entrevista ao site oficial dos Jogos Olímpicos.
Três meses depois do ataque já estava a competir com Paris 2024 em vista. “Já tinha perdido o suficiente, e tudo o que estava em cima da mesa para recuperar, eu ia lutar para o recuperar. Não queria perder um membro e também o meu amor pela água”, insiste, contando que aliou os treinos com fisioterapia e apoio psicológico para reduzir o trauma.
Qualificou-se para os Paralímpicos em Orlando, na Florida (EUA) e, em Abril deste ano, esteve em Portugal numa competição internacional. “A água continua a ser o meu lugar, que me mostra o meu poder e a minha força”, termina.