Causado por foguetes, incêndio da Madeira já tem suspeitos

Uso negligente de artefactos pirotécnicos durante festividades estará na origem de mais de 5100 hectares de área ardida — e não fogo posto, como sempre disse Miguel Albuquerque.

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Nuvens de fumo elevam-se no local do incêndio no sítio da Lombada no concelho da Ponta do Sol, a 24 de Agosto de 2024 HOMEM DE GOUVEIA / LUSA
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O lançamento de foguetes no dia em que decorria um arraial na freguesia da Serra de Água, na Ribeira Brava, terá estado na origem do incêndio que lavrou durante quase duas semanas na Madeira, alastrando aos concelhos de Câmara de Lobos, Ponta de Sol e Santana.

A Polícia Judiciária já tem dois suspeitos. Um deles foi constituído arguido, o mesmo não tendo sucedido com o segundo homem, que entretanto rumou à Suíça, onde é emigrante. As chamas consumiram 5 104,1 hectares, de acordo com dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (Copernicus). Nenhum dos dois homens pertence no entanto à confraria que organizou o arraial dos passados dias 14 e 15 de Agosto, dedicado à padroeira da freguesia, Nossa Senhora da Ajuda. Os artefactos pirotécnicos terão sido usados de forma espontânea pelos suspeitos, antes de o evento religioso ter sequer começado.

Isso mesmo conta o padre responsável por esta paróquia, Isildo Gomes da Silva: "Ao contrário do que estava previsto não foi lançado um único foguete quando começou o arraial, ao meio-dia desse dia, uma vez que o incêndio já lavrava", descreve.

Recorde-se que o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, sempre disse suspeitar que a origem deste incêndio fosse criminosa e não acidental. Referiu-se a fogo posto, situação que afirmou ser "recorrente" na ilha.

Em comunicado, a Judiciária apenas adianta que a investigação realizada — designadamente através da recolha de depoimentos com relevo, análises de circunstâncias, informação meteorológica e informação oficial de várias entidades — "permitiu identificar quer o local, quer os responsáveis pelo lançamento dos foguetes".

As chamas deflagraram a 14 de Agosto, tendo atingindo zonas altas e de difícil acesso para os bombeiros. Apesar de a Madeira só ter um helicóptero para combater fogos, durante vários dias o Governo Regional disse que não precisava do envio de meios do exterior.

O fogo já se tinha propagado aos concelhos vizinhos quando o Governo Regional pediu a ajuda do Mecanismo Europeu de Protecção Civil, que mobilizou o envio de dois aviões Canadair vindos de Málaga, que chegaram ao arquipélago há precisamente uma semana. Entre os especialistas é quase unânime a convicção de que, no combate aos fogos, o uso das aeronaves é muito mais eficaz na primeira intervenção. Quando se ultrapassa a capacidade de extinção, pouco há a fazer além de proteger pessoas e bens e esperar que a meteorologia acabe com o incêndio.

As duas aeronaves tiveram de enfrentar várias limitações na sua operação na Madeira. Ficaram sediadas no Porto Santo e abasteceram naquele aeroporto os 6000 litros que conseguem transportar, o que significou meia hora de ida e meia hora de regresso até ao local do incêndio. Aí, normalmente não lançavam a água toda de uma vez. Só quando estavam com o tanque vazio podiam dirigir-se novamente ao aeroporto de Porto Santo, onde após aterrar tinham de esperar que um camião-cisterna os enchesse de água. Depois, mais meia hora até ao Funchal.

Antes dos Canadair espanhóis, a Madeira já tinha recebido perto de 80 elementos da Força Especial dos Bombeiros, que chegaram à região na madrugada de 18 de Agosto.

Segundo Miguel Albuquerque, "grande parte da área ardida é mato", com acácias, eucaliptos e carqueja, e garantiu que "todo o núcleo central da [floresta] laurissilva" não foi afectado. No entanto, ressalvou, o fogo no Pico Ruivo, na cordilheira central, colocou em perigo a área de nidificação da freira-da-madeira, uma ave marinha em risco de extinção.

"Segundo um levantamento sucinto feito pelo Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, apenas foram danificados alguns espaços residuais da floresta laurissilva, designadamente na Encumeada [Ribeira Brava], no Lombo do Urzal [São Vicente] e na zona sobranceira ao Caldeirão Verde [Santana]", disse. "Isso significa que a floresta laurissilva, apesar da dimensão destes incêndios, não foi afectada na sua integridade enquanto património natural da Unesco."

As chamas obrigaram ao realojamento de cerca de três dezenas e meia de famílias, num total de uma centena de pessoas. Entre as consequências nefastas do sinistro está a destruição de pastagens e o perigo de deslizamentos de terras, em especial quando ocorrerem as primeiras chuvas do Outono. A Câmara da Ponta do Sol chamou ontem a atenção do Governo Regional para a necessidade de intervir nas encostas atingidas pelo incêndio, precisamente para evitar deslizamentos de terras.

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