Roglic e Almeida “deram corda” a O’Connor na Vuelta. E agora?

As principais equipas decidiram “jogar na roleta” e oferecerem quase cinco minutos a um ciclista perigoso. A decisão pode custar-lhes caro, mas também podem provar que estava tudo controlado.

O pelotão da Vuelta 2024
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O pelotão da Vuelta 2024 JAVIER LIZON / EPA
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O pelotão na partida da etapa, no supermercado Carrefour JAVIER LIZON / EPA
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O que se passou nesta quinta-feira, na etapa 6 da Volta a Espanha, não era muito previsível. Sim, era provável haver uma fuga, mas nunca com ciclistas perigosos a serem dados “de borla” pelas principais equipas.

O cenário deu a camisola vermelha a Ben O’Connor, australiano da AG2R que lidera agora a prova com 4m51s de vantagem para Primoz Roglic e 4m59s para João Almeida.

A Bora, de Roglic, teria vontade de ceder a vermelha, mas as contas da vantagem parecem ter saído ao lado. A Emirates não se sabe bem o que quis fazer nesta etapa. Ambas estão a jogar na roleta e podem acabar a perder tudo.

Darem tanta corda a O’Connor foi um erro gigantesco, e vão pagá-lo caro, ou foi uma opção de risco controlado e conseguirão reverter o cenário? A resposta não é óbvia e depende da forma em que está este ciclista.

O O’Connor que tanto prometeu em 2021 será um perigo e terá, provavelmente, a Vuelta “no bolso”, porque tirar-lhe quase cinco minutos não é uma brincadeira. O O’Connor de 2023 e 2024, que não cumpriu o que prometeu – e que já tinha perdido tempo nesta Vuelta –, poderá não ser um perigo assim tão grande, e perderá a liderança nas montanhas e no contra-relógio.

Lipowitz foi menos do que deveria ter sido

A etapa começou dentro do supermercado Carrefour de Jerez de la Frontera – sim, mesmo lá dentro – e quem decidiu fazer compras foi a Bora: comprou para si própria uma situação bastante complexa. Poderia ter sido genial para os interesses coletivos? Sim. Mas para Roglic poderia ser um problema difícil de resolver. E foi mesmo.

Na Vuelta 2023, Sepp Kuss, colega de Roglic, colocou-se em fuga e acabou por beneficiar da situação de corrida para ganhar quase três minutos aos rivais – que na altura ele ainda não sabia que seriam rivais. E o americano, teoricamente num pelouro que não era o seu, finalizou mesmo a Vuelta de camisola vermelha, obrigando os seus colegas, Roglic e Vingegaard, a assinarem um pacto de não-agressão, em nome das ajudas que Kuss lhes deu no passado.

Nesta quinta-feira, na Vuelta 2024, Florian Lipowitz, colega de Roglic, colocou-se em fuga, chegando a rolar com mais de cinco minutos de vantagem. A história estava a repetir-se, mesmo que Lipotwiz não tenha o nível que tinha Kuss e que, em rigor, a opção parecesse mais por cederem a liderança do que propriamente por a trocarem de Roglic para Lipowitz.

Fosse como fosse, a Bora teria de decidir entre perseguir o seu próprio corredor, deixando claro que era tudo por Roglic e tirando o tapete ao seu aventureiro, ou parar de puxar no pelotão? Este segundo cenário, o mais óbvio, teria dois desfechos: ou ninguém ajudaria – e Roglic ficaria com a Vuelta a escapar-lhe – ou outras equipas entrariam ao trabalho, ajudando indiretamente Roglic. Até porque estava também em fuga Ben O’Connor, que não é alguém a quem se deva dar cinco minutos de vantagem.

A perseguição seria o papel teórico da Emirates, por exemplo, já que deixar Lipowitz seguir – e tendo a companhia de Ben O’Connor – seria deixar a Vuelta bastante difícil para João Almeida. Mas, por outro lado, quem perseguisse estaria a rebocar Roglic. A decisão não era evidente para as restantes equipas.

O’Connor ainda ganhou tempo

O que se passou foi uma jogada de tremendo risco da Bora e da Emirates, O’Connor acabou por se isolar e Lipowitz falhou a única tarefa que poderia ter: não largar O’Connor um segundo que fosse.

Por um lado, isso estragou o plano de risco da Bora, mas, por outro, clarificou as movimentações da própria equipa e de todas as outras. A partir do momento em que o camisola vermelha passaria a ser O’Connor, e não Lipowitz, a Bora já não estaria a atacar o seu próprio homem e a Emirates já não estaria a ajudar Roglic de forma clara. E percebeu-se ainda cedo que Lipowitz não seria o que Kuss foi em 2023.

Com todos ao trabalho no pelotão, seria previsível ver uma redução grande da vantagem de O’Connor, mas o australiano estava com um ritmo tremendo, aumentando até a vantagem, apesar do esforço solitário contra um pelotão de várias equipas.

A “brincadeira” correu mal a muitas equipas e, com quase cinco minutos entre O’Connor e o resto do pódio, como vai ser? Teremos de esperar para ver. Em teoria, o O’Connor que vimos nesta quinta-feira não é o mesmo que estará no resto da Vuelta e é perfeitamente possível reverter a diferença. Mas essa teoria vai facilmente por água abaixo caso o australiano mantenha a forma que mostrou nesta quinta-feira. Se assim for, a Vuelta é dele.

Para esta sexta-feira está desenhada uma etapa com alguma pequena e média montanha, mas, caso a corrida não seja muito atacada, poderá dar para um final em sprint.

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