Pode dizer-se que o interesse de Nuno Dias pelas letras são ossos do ofício. É designer gráfico e começou por fotografar os letreiros antigos das lojas de Braga, uma espécie de “diário fotográfico” que criou para garantir que ficariam para sempre registados quando ou se desaparecessem.
Foi o que aconteceu. Alguns espaços comerciais fecharam em 2021, por força da pandemia, outros porque os tempos mudaram, os edifícios foram comprados e os letreiros retirados. Nessa altura, decidiu que ficaria com os que conseguisse e criou o projecto Letras de Braga.
“Comecei com o letreiro da Foto Espaço, um atelier de fotografia que já fechou. Tem o formato de um foguetão e é um dos mais icónicos da cidade. Cheguei ao contacto da filha dos ex-proprietários, que disse que a placa estava no sótão do edifício à espera de ir para a sucata e felizmente cheguei a tempo de o impedir”, recorda em entrevista ao P3.
Guardou-o temporariamente na garagem com os outros 21 letreiros que foi recolhendo, tais como cabeleireiros, lojas de radiadores, residenciais e até da Gráfica Minho, que mudou de instalações e doou a Nuno e a Luís Gomes, que entretanto se juntou ao projecto, o antigo sinal. O maior letreiro que tem em casa tem cinco metros “e teve até de ser cortado a meio para o conseguir levar para casa”, adianta o designer de 41 anos.
Em Julho, durante as férias dos projectos que faz como freelancer, fez um cartaz com base em algumas fotografias de letreiros que tirou e que resgatou e publicou-o nas redes sociais. O cartaz inclui 40 ilustrações de espaços comerciais conhecidos dos bracarenses (e 40 horas de trabalho).
Sem estar à espera, começou a receber mensagens de interessados em comprar: arriscou fazer dez e vendeu-os, depois mais dez e assim sucessivamente, até chegar aos 100 cartazes. A maioria dos compradores, diz, é de Braga e, por isso, faz questão de os entregar pessoalmente. Mas também enviou para outras zonas do país e para o estrangeiro. “Já compraram pessoas de Ponta Delgada, Funchal, Lisboa, Porto, Sabugal, Castelo Branco, Barcelona, Paris, República Checa e Polónia, para o Museu do Néon, que segue o projecto e comenta as fotos que vou partilhando. Confesso que fiquei surpreendido com o interesse...”
Cada cartaz custa 20 euros e o dinheiro será utilizado para pagar a renda de um armazém onde os dois amigos vão guardar os letreiros que já começam a ocupar algum espaço na garagem. Mas há mais: o próximo passo é ilustrar mais dois cartazes e criar uma série das Letras de Braga.
Recolher letreiros como quem “apanha pokemons”
Nuno, que não se considera um coleccionador, diz que todos os letreiros que tem são oferecidos e que não está interessado em fazer dinheiro com eles. “Faço isto pela cidade. O meu objectivo é tentar expor as letras, preservar a história de Braga, mostrar a minha perspectiva e visão sobre ela e mostrar estes elementos que diferenciam as ruas e que cada vez mais se estão a perder.”
A exposição vai acontecer e já tem local marcado. Segundo o designer, será na Junta de Freguesia de São Vicente, arranca previsivelmente em Setembro e terá entrada livre. Entretanto (e disto só sabiam alguns dos bracarenses que compraram o cartaz), Nuno está a desenvolver um mecanismo de realidade aumentada para que todos possam ver os letreiros nos locais onde estiveram durante anos.
“Quando fiz a digitalização dos letreiros, projectei-os na parede de casa e pensei que seria interessante voltar a pô-los na rua. Ainda estou a explorar a ideia, mas posso dizer que vai ser como apanhar pokemons. As pessoas vão poder ver as letras através de um QR Code associado a uma localização”, explica.
Prefere não se alongar mais sobre o tema, mas promete partilhar mais informações em breve no Instagram do Letras de Braga, assim como mais letreiros que diz terem sido “resgatados do abandono e do pó” e histórias que vier a descobrir sobre estas lojas que, em tempos, estiveram abertas.