APAV está a receber 55 pedidos de ajuda por dia, mais do que no ano passado

Dados apontam para aumento da violência doméstica, que até Junho somava 14.398 participações. Maus tratos de pais contra filhos representam 10% dos casos. Justiça condenou pai a cinco anos de cadeia.

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Violência de pais contra filhos representou quase 10% dos casos registados pela APAV entre Janeiro e Junho deste ano Manuel Roberto
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No primeiro semestre de 2024, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) recebeu 55 pedidos de ajuda por dia, num total de 385 por semana. Se a tendência se mantiver até Dezembro, isso significa um aumento significativo em relação ao ano passado: em 2023, foram recebidos 47 pedidos de ajuda por dia, num total de 301 por semana.

Os indicadores apontam para uma subida de vários géneros de casos reportados à associação. Desde logo, parece registar-se um recrudescimento da violência doméstica, que a meio deste ano contava já com 14.398 participações, quando o total de 2023 não chegou às 24 mil. Neste contexto, a violência de pais contra filhos assume especial destaque. Embora ainda não atinja níveis idênticos aos dos cônjuges, neste primeiro semestre representou quase 10% dos casos registados pela APAV entre Janeiro e Junho, sendo que na maioria dos casos diz respeito a casos de vitimação que se prolongou no tempo, às vezes durante anos.

A APAV não dá nota de casos concretos naquele que é o seu primeiro relatório semestral, mas as sentenças que o Ministério da Justiça disponibiliza online dão conta da cada vez menor tolerância da justiça para com este tipo de fenómenos.

Em Junho passado, um trabalhador agrícola foi condenado a cinco anos de cadeia efectiva por causa das tareias que dava ao enteado e à filha quando estava alcoolizado.

Entre 2018 e 2023, o agressor desferiu bofetadas, socos e pontapés no rapaz de seis anos, a quem chamava "burro", "deficiente" e "cabrão". Chegou a tentar obrigá-lo a beber cerveja. A filha de três anos também levava palmadas. Só escapou ao agressor um terceiro irmão que, talvez por ser ainda bebé, não foi submetido ao mesmo tratamento.

O caso passou-se em Vimieiro, no concelho de Arraiolos, nunca tendo o trabalhador agrícola mostrado qualquer tipo de arrependimento. Empregada num lar de idosos, a mãe das três crianças foi condenada a uma pena suspensa por ter assistido a tudo e nada ter feito para proteger os filhos. Nem no dia em que no meio de mais uma tareia viu o companheiro atirar o rapaz para o sofá “como se fosse um boneco”. Vai ter de indemnizar os filhos, que entretanto foram todos institucionalizados, num total de 2500 euros, enquanto o pai vai ter de pagar cinco mil euros ao enteado e à filha.

Também foi decretado pelo tribunal de primeira instância que o trabalhador agrícola ficasse inibido de responsabilidades parentais e proibido de contactar os três menores nos próximos cinco anos, por forma a que a recuperação do sofrimento físico e psicológico não fosse perturbada e também para que a segurança do bebé não viesse a ficar comprometida no futuro. Porém, um erro judicial obrigou o Tribunal da Relação de Évora a revogar esta pena acessória.

O caso tem alguns contornos pouco habituais. Desde logo a aplicação de uma pena efectiva de cadeia, apesar de não existirem registos clínicos das agressões, que nunca terão levado a tratamento médico. Para se ter uma ideia da medida das penas aplicadas em situações que suscitam maior repúdio social, é comum abusadores sexuais de menores condenados pela primeira vez beneficiarem da suspensão da pena.

Mais denúncias de discriminação e incitamento ao ódio

Carla Ferreira, da APAV, salienta o facto de a progenitora ter sido igualmente sentenciada pelo crime de violência doméstica, no seu caso cometido por omissão. “Nem sempre vemos isso acontecer”, congratula-se.

As tendências estatísticas deste primeiro semestre de 2024 dão também conta de um aumento das queixas à associação relacionadas com crimes sexuais contra crianças e jovens, uma vez que já existem mais de mil participações e o ano de 2023 fechou com 1760. Destaque igualmente para a subida de episódios de discriminação e incitamento ao ódio e à violência: só nos primeiros seis meses deste ano a APAV recebeu 180 queixas, contra 193 em todo o ano de 2023.

Um aumento do número de pedidos de ajuda não significa necessariamente que estes fenómenos se agravaram, ressalva Carla Ferreira: pode apenas querer dizer que há mais vítimas conscientes dos seus direitos e também maior consciencialização das diferentes entidades, uma vez que a APAV recebe também participações vindas das autoridades policiais e dos tribunais.

A nível etário, registou-se neste primeiro semestre um número de agressores idosos, acima dos 65 anos, que também já supera metade dos casos de todo o ano passado, altura em que a APAV ainda não fazia relatórios estatísticos semestrais.

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