Puigdemont volta a fugir, Illa já é president, maioria de Sánchez em risco

“Ainda aqui estamos”, disse o líder independentista, ao reaparecer nas ruas de Barcelona, sete anos depois da partida para Bruxelas. Dois polícias foram detidos por suspeitas de ajudarem na fuga.

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Puigdemont no curto discurso que fez, no exterior do parlamento, no centro de Barcelona ALBERTO ESTEVEZ / EPA
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O dia em que a pergunta “Onde está Carles Puigdemont?” voltou a ser repetida com incredulidade, de Barcelona a Madrid, foi o mesmo em que o novo presidente do governo da Catalunha prometeu “unir e servir todos os catalães” antes de ser investido com os votos de um dos dois grandes partidos independentistas e de dois partidos que se opõem à independência. É o regresso dos socialistas ao poder, 14 anos depois, numa investidura que confirmou o fim do cisma, mas não a volta à normalidade, como ficou demonstrado pelo espectáculo de Puigdemont.

“Vou governar para todos, tendo em conta a pluralidade da Catalunha. Estarei ao serviço de todos vós”, prometeu Salvador Illa ao início da noite, já como president da Generalitat (governo catalão). Como esperado, somou aos votos dos 42 deputados do Partido Socialista da Catalunha (PSC) os 20 da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e os seis dos Comuns (conjunto de vários movimentos de esquerda), chegando aos 68 que garantem a maioria absoluta. “Estamos num momento histórico de mudança, em que precisamos de todos os que podem contribuir", afirmou, agradecendo o apoio da ERC e dos Comuns.

Os parabéns do chefe do Governo de Espanha não tardaram: "Conheço a tua moderação, o teu bom senso e a tua capacidade de trabalho. Exactamente o que a Catalunha precisa”, escreveu Pedro Sánchez numa mensagem publicada na rede X (antigo Twitter) “Serás um grande presidente", acrescentou, dirigindo-se ao seu antigo ministro da Saúde (durante a pandemia de covid-19).

A Catalunha, dissera Illa durante o debate de investidura, “precisa de abrir um período de consenso e enfrentar os conflitos políticos sem preconceitos”. Para isso, defendeu, a lei da amnistia, que prevê o perdão de todos os crimes relacionados com o processo independentista, tem de ser aplicada “na sua totalidade”. “Peço respeito pela esfera de decisão, pelo poder legislativo e pela aplicação ágil e rápida das disposições desta lei, sem subterfúgios”, afirmou, referindo-se à recusa do Supremo Tribunal em aplicar a amnistia ao crime de desvio de fundos de que é acusado Puigdemont.

“A Catalunha tem de olhar em frente, não pode perder tempo e tem de contar com todos", sublinhou Illa, numa sessão em que ninguém ignorou o elefante na sala, nomeando-o ou não, e o seu lugar vazio no hemiciclo.

À direita, o Partido Popular responsabilizou Sánchez (que se manteve em silêncio sobre Puigdemont) e as negociações entre o seu PSOE e os soberanistas pela “humilhação” protagonizada por Puigdemont, que se mostrou em público durante 15 minutos, falou aos apoiantes e logo desapareceu, quando se esperava que tentasse chegar ao parlamento, a escassas centenas de metros

“Nem detido nem localizado”, admitiam pouco depois os Mossos d’Esquadra, a polícia catalã que tinha a cargo a sua detenção e que se viu obrigada a activar a “Operação Jaula”, prevista no cenário de fuga.

“Verdadeira humilhação”

“É uma verdadeira humilhação para os catalães e um ataque ao Estado de direito com o aval do presidente do Governo", acusou Ignacio Garriga, líder da direita radical e extrema do Vox na Catalunha, durante a sua intervenção. O deputado do partido que integra o processo contra Puigdemont, através da figura da “acusação popular” (que o Vox tem usado frequentemente, garantindo, assim, palco mediático), anunciou uma queixa “contra todos os que ajudaram Puigdemont a fugir à justiça por ocultação".

Para já, a formação moveu acções contra o conselheiro (equivalente a ministro) do Interior em exercício da Generalitat (governo catalão), Joan Ignasi Elena, da ERC, e contra o chefe da polícia.

Ao longo do dia, enquanto procurava Puigdemont, bloqueando as estradas da região, a polícia anunciava a detenção de dois agentes dos Mossos – um deles proprietário do carro branco em que Puigdemont terá fugido. Entre duras críticas à actuação da polícia catalã, o Sindicato Unificado da Polícia pedia que fosse afastada das buscas e que a Polícia Nacional e a Guarda Civil assumissem "a liderança da operação”.

“Finalmente, Puigdemont regressou. Alegramo-nos de forma sincera”, afirmou no debate Josep Maria Jové, presidente do grupo da ERC no parlamento catalão. “Bem-vindo a casa, president. Mas esse regresso não se pôde realizar em condições plenas”, lamentou.

Explicando que o seu partido aceitou apoiar a investidura de Illa depois de negociar um acordo “benéfico”, com a garantia de soberania fiscal, avisou que “a votação de hoje [quinta-feira] não encerra nada” – ou seja, nem o apoio a Illa durante a legislatura é certo nem os republicanos desistem das suas pretensões independentistas.

Maiorias e bloqueios

O acordo, defendeu, assume “reivindicações do catalanismo e da maioria social da Catalunha”, num momento em que o partido constatou que “acrescentar bloqueio ao bloqueio não contribui para nada”. Previsto, para além do regime fiscal especial, está a aprovação de um Pacto Nacional para a Língua e ainda a criação de uma Convenção Nacional para a resolução do conflito político entre a Catalunha e o Estado espanhol.

Albert Batet, porta-voz parlamentar do Juntos, atacou a ERC por oferecer a Illa a presidência, afirmando que os republicanos decidiram assumir "a tese do PSC” e dizem “agora que os problemas dos catalães devem ser tratados com uma mesa de partidos”. No último sábado, um dia depois de os militantes da ERC aprovarem o pacto numa votação renhida (53,5%), Puigdemont foi mais longe e acusou o partido de ter feito com que a sua “detenção" fosse "uma possibilidade dentro de poucos dias”.

"Ainda aqui estamos porque não temos direito a renunciar." Foi com estas palavras que Puigdemont voltou a falar a uma multidão em Barcelona, seis anos de dez meses depois de sair de Espanha para evitar ser acusado e condenado por ter organizado um referendo ilegal e declarado a independência.

Os muitos jornalistas que se encontravam entre as 3500 pessoas que a Guarda Civil estimou que se juntaram para o receber viram-no já rodeado de manifestantes, a avançar em direcção ao palco montado para o regresso. A polícia, que tinha fechado completamente o Parque da Ciutadella, onde se ergue o Palácio do Parlamento, terá visto o mesmo. Mais tarde, surgia nas redes sociais um vídeo em que Puigdemont percorre, com relativa tranquilidade, uma rua mais estreita, que desemboca no Passeio Lluís Companys, onde era esperado.

"O direito à autodeterminação pertence ao povo, é um direito colectivo. Não nos deixemos confundir, a realização de um referendo não é nem nunca será um crime. Há sete anos, 2,3 milhões de pessoas votaram", afirmou, entre gritos de "presidente, presidente!".

Puigdemont não conseguiu impedir a investidura de Illa, mas tem prometido dificultar a vida a Sánchez, cuja maioria no Congresso depende dos setes deputados do Juntos. Responsabilizando-o por deixar que “a ditadura da toga” trave a aplicação da amnistia, o ex-líder catalão assegura que isso terá “consequências”. No fim de Julho, na última sessão do Congresso dos Deputados antes das férias, os avisos materializaram-se, com o Juntos a chumbar a proposta sobre os objectivos do défice, primeiro passo para o Governo aprovar os Orçamentos Gerais que viabilizarão o resto da legislatura.

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