Escola do Vimioso: MP não confirma sodomização, mas conclui que 11 alunos foram vítimas de abusos
Ministro da Educação, Fernando Alexandre, já disse que agressões constituem “um caso de violência gravíssimo”, que “terá de ter consequências”.
Chamaram-lhe “exame à próstata”. Durante dois dias, onze alunos do Agrupamento de Escolas do Vimioso foram agarrados por colegas, forçados a debruçarem-se numa mesa do bar da escola e sujeitos a gestos e movimentos de cariz sexual. O Ministério Público (MP) chama-lhes factos tipificados como crimes de abuso sexual. Os 11 agressores, nove dos quais com menos de 16 anos, terão agora de cumprir um plano de conduta.
Os acontecimentos, que o ministro da Educação, Fernando Alexandre, qualificou como “um caso de violência gravíssimo” e que “terá de ter consequências”, vieram a público como um caso de sodomia. Um rapaz de 11 anos contou que, pela hora do almoço, foi agarrado por três alunos mais velhos, um dos quais o irmão, e levado para o bar, com o argumento de que lhe iam fazer “um exame à próstata”. Um deles baixou-lhe as calças e os boxers. Sentiu várias palmadas nas nádegas e algo no ânus. Estava convencido de que lhe tinham enfiado um cabo de vassoura, depois de ter visto um dos agressores com uma vassoura entre as mãos.
Ao que se pode ler no despacho final do Inquérito Tutelar Educativo, o exame forense detectou vestígios de agressão física (“três escoriações avermelhadas” no fundo das costas). Quanto à agressão de cariz sexual, “é possível, mas não é demonstrável”. A perícia só encontrou um “ligeiro rubor generalizado da região perianal, não se observando lesões ou sequelas sugestivas de traumatismo”. Todavia, este exame foi feito cinco dias depois dos factos.
No decurso da investigação, foram ouvidas muitas pessoas e vistos vídeos feitos pelos alunos. O rapaz surge num dos vídeos analisados, “sorridente, rindo francamente quando é agarrado pelos suspeitos”. Ninguém declarou tê-lo visto ser sodomizado. E à magistrada do Ministério Público “não se afigura credível que não tivesse gritado ou chorado”.
Concluiu que o rapaz foi agarrado pelas pernas e pelos braços por dois rapazes mais velhos. Já no bar, foi empurrado para cima de uma mesa por outros dois; mais dois vieram segurá-lo; um outro “colocou-se na sua traseira, junto às nádegas, apoiou a mão direita sobre as nádegas e passou a fazer, por segundos, movimentos de anca, para trás e para a frente, simulando uma penetração anal; um baixou-lhe as calças e deu-lhe uma palmada; e outro deu-lhe uma palmada já sobre a roupa.
Pelo menos mais dez rapazes passaram por situação semelhante nos dias 18 e 19 de Janeiro. Uma assistente operacional apercebeu-se de “uma grande movimentação de alunos, todos rapazes, uns a arrastar e a carregar outros, pelos braços e pelas pernas e pediu-lhes que parassem”. A certa altura viu um deles com uma vassoura na mão e tirou-lha.
Nove menores sujeitos a plano de conduta
A magistrada do Ministério Público acabou por determinar a suspensão provisória do processo a nove menores de 16 anos em troca do cumprimento de um plano de conduta que contém várias obrigações, o que inclui “não praticar qualquer tipo de ilícito da mesma natureza”, “frequentar a escola com assiduidade, zelo, empenho, pontualidade” e “frequentar programa a implementar pela Direcção-Geral de Reinserção dos Serviços Prisionais (DGRSP) com incidência na sexualidade, respeito pelo corpo humano e privacidade”. Quatro têm ainda de cumprir 20 horas de tarefas a favor da comunidade.
Quando tudo aconteceu, dois estudantes já tinham completado 16 anos, pelo que já têm responsabilidade criminal. O Ministério Público promoveu suspensão provisória do processo, na condição de os arguidos cumprirem um plano de conduta, que prevê trabalho comunitário e a frequência do programa da DGRSP.
A procuradora concluiu que os jovens agiram “em conjugação de esforços, com o propósito de satisfazerem os seus instintos sexuais e libidinosos”, praticando sobre os ofendidos, com idades entre os 11 e os 14 anos, “actos de natureza e conteúdo sexual”, embora soubessem que “colocavam em causa os sentimentos de pudor, vergonha e intimidade” das vítimas. “Os jovens demonstram agir em contexto de grupo de pares, com mais dificuldade em avaliar as consequências da sua conduta e do impacto que estas podem ter nos outros.”
O despacho de arquivamento permite perceber como o caso chegou às autoridades. O menino de 11 anos falou com a mãe, que no mesmo dia informou uma professora que integra a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) do Vimioso. E foi outro elemento daquela estrutura que lhe disse para levar o menino ao centro de saúde e ao posto da GNR.
Em comunicado, o conselho geral do Agrupamento de Escolas de Vimioso alega que a direcção escolar “tratou este caso de forma adequada”, referindo-se à alegada sodomização, lembrando os processos disciplinares instaurados aos alunos envolvidos “na alegada brincadeira de exame à próstata”. Todavia, não faz no documento qualquer menção ao facto de 11 alunos terem estado envolvidos nos abusos de outros 11 e terem aceitado cumprir os planos de conduta.
“O conselho geral do Agrupamento de Escolas de Vimioso recomenda que a Junta de Freguesia de Vimioso faça, publicamente, um pedido de desculpas à escola e aos profissionais que nela trabalham e, principalmente, aos alunos alegadamente envolvidos e às suas famílias, reconhecendo a falsidade da denúncia”, lê-se no comunicado, assinado pela presidente, Carina Machado Lopes, que é também vereadora na Câmara de Vimioso. Solicita ainda aos meios de comunicação social "que reponham a verdade e façam dela notícia”. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter um comentário desta responsável.